Fui assistir ao depoimento do Ruy Castro no MIS. Aquele MIS escondidinho da Praça 15, ou, para ser mais precisa, da Praça Marechal Âncora. Esse Museu da Imagem e do Som que eu sempre quis visitar e que nunca visitei. Agora quero ir para lá todos os dias, e tenho pena que ele vá se mudar para um prédio tão cheio de rampas e vidraças na Av. Atlântica. Será que isso não vai prejudicar os arquivos? Deteriorar as fitas e imagens gravadas com a maresia que já ameaça o acervo ali na Praça Quinze? Mas isso é questão para outra hora. Agora quero apenas comentar do prazer que senti durante as 5 (cinco) horas do depoimento. Uma ótima tarde, uma tarde feliz, ouvindo coisas interessantes ditas com humor e graça. Acompanhei o Ruy na sua rememoração clara de episódios da infância. Escutei, a princípio, com alguma incredulidade, a história de sua auto-alfabetização. Depois fui acompanhando as histórias das músicas, dos estudos, dos primeiros tempos de jornalismo. Ruy, com sua prodigiosa memória, foi me fazendo lembrar de episódios de minha própria vida, já que ele morou em Portugal por três anos, assim como eu. Entendi, assim, a sensação que ele descreveu como "estar enterrado vivo". Assim como ele, eu não tenho nada contra Portugal, pelo contrário, aprendi a amar o país através das histórias de minha avó, e depois, ao me casar com um português (que sempre me corrigia dizendo: açoriano), descobri os encantos da terra e da história portuguesa. Ruy, mais velho e mais dinâmico que eu, talvez tenha se ressentido mais com o clima político. Eu, apaixonada e sonhadora, me refugiava da opressiva sensação de aprisionamento vivendo em cenários de livros de Eça, de Camilo, de Camões. Olhava e via em tudo o que lá não estava, tal como me havia ensinado Fernando Pessoa. Entre poetas e romancistas, entre peças de Gil Vicente e de autores contemporâneos, encenadas com uma intensidade que me era desconhecida, teci um país casulo onde os dias eram sempre de sol (embora frios) e as contrariedades eram poucas, a mais marcante sendo a falta de Coca-Cola, bebida que na época me encantava e que hoje já não suporto.
Voltando ao depoimento do Ruy, ele me encantou pela inteligente sinceridade. Sem fugir dos fracassos, ele soube minimizá-los: quem hoje se importa com sua reprovação no Colégio Militar, ou seu fracasso no vestibular? Comparei a segurança dele com a minha insegurança, incapaz que era de me rebelar com notas baixas: Era aprovada em tudo, ansiosa, passando até em exames de Latim, que nunca tinha visto antes, ao qual sacrifiquei um verão inteiro inalando os vapores de hipogloss que uma harpia de Laranjeiras exalava enquanto tentava me incutir desinências e declinações. Se tivesse feito o vestibular para Direito teria passado, não tenho dúvidas, e teria sido uma estudante medíocre e infeliz. Mas minha vida foi dando guinadas, e a vida do Ruy também foi dando suas voltas. Hoje à tarde, contadas por ele, as reminiscências foram todas boas, bem escolhidas. Quando ele começou a falar de sua obra, ficaram ainda mais animadas e resplandecentes, os acasos brilhando como jóias que, engastadas na coroa de sua prosa, a tornassem mais especial. Escutei e aprendi, pois ele não esconde suas técnicas. E ri muito, com ele, com as coisas que ele soube contar com graça. E me emocionei, suspeitando das grandes emoções que ele há de ter sentido, vencendo as doenças e nos entregando mais uma vida cujo sentido ele soube sempre ressaltar. Nelson Rodrigues, Garrincha, Carmem Miranda, os diversos personagens de Ipanema e da Bossa Nova, minha sensação é que estavam ali na sala, escutando seu biógrafo e sorrindo, enquanto Ruy Castro imitava suas vozes, revelava suas estratégias de aproximação, suas horas de pesquisa.
No fim, a sensação que fiquei foi a de ter feito um novo amigo de infância, tal foi a cumplicidade do depoente com a platéia. O próximo a fazer um depoimento será João Bosco. Acho que gostaria de presenciar este também.
1 comment:
Excelente Nunca visitei o museu. Além de escondido há poucas informações sobre o que está disponível para os visitantes. Bjos Marcio
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