O caso é que fiqui pensando nos clichês, e como eles invadem nossa vida cotidiana e nos prendem em seus tentáculos, piores e mais venenosos do que a medusa que anda atacando lá pela Austrália (onde o clichê talvez seja "a Brazilian heat"). Vejam só: pior do que a mania de gerúndio é o meloso "um beijo no seu coração". Deus nos livre e guarde! Que invasão! Muito pior do que o fantástico beijo invasivo de Deus em Adão, sua língua entrando pela boca e pela garganta de sua criatura, violando-a sem piedade! Está no Caim, livro imperdível.
Bem, preciso sair agora, mas antes faço aqui uma oração, para que os deuses da gramática e da literatura não me deixem cair na tentação de comentar o calor senegalês, não me deixem fazer carinhos no coração de ninguém, muito menos melosos beijos, que possam provocar uma parada cardíaca. Peço a eles que depurem minha linguagem destas crostas pesadas que usamos por pura preguiça mental e a deixe bela e essencial como um amanhecer.
Pois era sobre isso que queria escrever, sobre a beleza do nascimento do dia, que testemunhei, e que me fez acreditar que, com tamanha beleza, esse dia só poderia trazer coisas boas. Infelizmente esta crença só durou até a primeira olhada no jornal – o dia trouxe a tragédia do terremoto no Haiti. E agora as nuvens já recobrem o céu, e ameaçam com mais tragédias em Angra, no Rio, por toda a parte. Talvez só nos sobrem mesmo os clichês, para as tempestades arrasadoras, as catástrofes climáticas, os calores insuportáveis.
Um bom dia para todos, ameno e temperado, com brisa suave e acontecimentos ordinários.
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