Eu e as digressões! Volto à Cecília Meireles e confesso que a peça que mais me encantou foram os pequeninos retratos musicais de Ravel. Adoráveis descritções, uma Ondina mergulhando num mar azul, um sino tocando tristemente, um gnomo rodopiando como um pião, atrapalhando o sono de uma criança assustada. Gostei de tudo, inclusive da bela cabeleira prateada do pianista, de seu jeito abrupto, meio tímido, de atacar logo o piano, desaparecendo completamente e deixando, em seu lugar, as notas bailando enlouquecidas, penetrando nossos corpos sem cerimônia e se instalando em nossos corações, colonizando nosso ritmo vital.
Friday, March 27, 2009
Radiohead e pianíssimo
Alguns desaparecem completamente graças ao Radiohead. Aposto que meu amigo André foi ao show, em Sampa. O Dapieve, que não é meu amigo, mas não deixa de ser, já que me visita pelas páginas de O Globo, foi e se deslumbrou. Ele fala em 20 mil pessoas assistindo ao show. Eu nem preciso de tanta plateia para desaparecer completamente: 2 mil já me fazem sumir. E ainda menos: deslizo por entre algumas pessoas de locomoção difícil e me sento numa poltrona da Cecília Meireles, para assistir a um pianista. A lotação da casa não estava esgotada, éramos um grupo pequeno, sem os encontrões nem o nervosismo de casa cheia. Acho que ali estavam muitos estudantes de música, pois pelos corredores ouvia aqueles jovens cantarolando as peças de Ravel e de Schumann. Entusiasmamo-nos com o Liszt, uma peça que é difícil, e que chama minha atenção graças a seu título: Após a leitura de Dante. Confesso que meu Dante não é muito musical, mas entendo bem que seu poema estimule músicos. Eu, que nem sei italiano, só dou umas arranhadas porque sempre fui assim metida, querendo ler tudo o que encontro escrito em caracteres que conheço, ao ler minha edição bilíngue da Comédia me deixo encantar com a musicalidade dos versos. Aquela terza rima, que ele inventou, parece música, e me faz compreender como a poesia, em suas raízes, está firmemente ligada a ela. E me lembro daquela famosa canção do Henrique VIII, Autumn Leaves. Outro dia estava defendendo o Henrique VIII, falando de como ele era excepcionalmente inteligente. Muitas pessoas não lhe reconhecem o talento de estadista nem suas habilidades sociais (as social graces, do inglês). Lembrem-se da ordem da jarreteira, com sua maliciosa origem, uma liga entregue em público, com a frase, em francês: Honi soit qui mal y pense. E desta melodia, uma das mais belas e suaves, que agrada a todos os que a escutam. Os príncipes, antigamente, eram assim: educados. Aprendiam a falar várias línguas, aprendiam música, estudavam métrica, filosofia, e ainda faziam exercícios e tinham tempo para dançar na corte. Mas suas vidas eram dureza. Nada de banhos, nem sequer de banheiros. E os deslizes eram pagos com terríveis castigos. Esse rei acabou entrando para a história como fedorento e gordo. Ele devia ser diabético, com aquela ferida que nunca cicatrizou, desde os tempos da Bolena. Mas quem é que não fedia naqueles tempos de antanho? Até hoje, na Europa, nossos narizes se ofendem na multidão…
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