Sunday, March 22, 2009

No que pensa o maestro?

Esta semana foi muito atribulada. Doenças, doenças, atrasos, prazos. Eu estava bem, era minha filha que sofria, e, de certo modo, isso ainda é pior.
Hoje, depois de bons resultados de exames, de entregar tudo o que precisava dentro dos prazos, lá fui eu para a Cecília Meireles, assistir a um concerto. Mendelssohn, com direito a Marcha Nupcial e tudo o mais! Grandiosa, cheia de metais e pesada, essa marcha nupcial sempre me fez desconfiar que foi escrita não para o casamento dos príncipes, mas para o de Titânia, rainha das fadas, com Bottom, o atrapalhado ator com cabeça de burro. Minha amiga perguntou se foi essa a música de meu casamento, mas não foi. Na verdade, não lembro de música em meu casamento. Lembro da beleza da Igreja – O Mosteiro dos Jerônimos e seus arcos lindos. A Igreja sem ornamentação, pois não quisemos nada. Na verdade, eu e Gui nos casamos meio que num sonho. A festa foi feita para agradar aos pais dele e à minha mãe. Ele e eu, tão apaixonados, flutuamos até o altar, repetimos aquilo que nos mandaram repetir e saímos, depois de inúmeras fotos, já envolvidos numa conversa que só terminou com a partida dele.  Nem meu próprio vestido de noiva escolhi. Foi um presente de minha madrinha, a Mara, que também vestiu branco. 
Música? Talvez houvesse, mas talvez não seja de praxe nos casamentos em Portugal. Houve uma procissão, pois é o costume, e eu fiquei muito desconcertada com isso, ao descobrir, quando cheguei na Igreja, que estavam todos do lado de fora me esperando para entrar. Então, foi assim que entrei na Igreja, nos braços de meu amado, confusa, achando aquilo tudo tão teatral, seguida por um pessoal que eu nem conhecia. Meus convidados eram apenas minha mãe e meus padrinhos. Sim tinha alguns amigos, mas, pessoas que eu tinha conhecido 6 meses antes, ou até menos tempo. 
Depois fomos a pé para a festa, num restaurante ou casa de festa que parecia um castelinho, paredes grossas, janelas ogivais. Umas amigas de minha sogra me levaram para o banheiro e tiraram minha grinalda, o que irritou a minha mãe, que brigou comigo.  Eu tentei dizer a ela que por mim nunca mais tiraria aquela grinalda, pois estava me sentindo linda vestida de noiva, mas ela nem me ouviu. E eu fiquei triste, mas nem tive muito tempo para ficar triste pois o Guilherme não esperou pelo jantar e meio que me raptou da nossa festa e fomos, risonhos e confiantes, para nossa lua de mel. 
Eu e minhas digressões...
Pois vim escrever para falar do concerto, e da impressão que o Karabtchevsky me causou. Vou a concertos desde muito cedo, ia sempre ali na Cecília Meireles e na época ele era o maestro da sinfônica. Tinha amigos que tocavam na sinfônica. Assisti os concertos do Nelson, do Arnaldo, que na época competiam. Aliás, acho que competem até hoje, mas o Nelson ficou mais conhecido aqui no Brasil, ficou mais "brasileiro". 
Minhas amigas Suzana e Elza tocavam piano. Outro Nelson também era pianista. E eu vivia naquele meio, sem tocar uma nota, mas amando escutar, idolatrando aqueles pianos de 1/4 de cauda ou de 1/2 cauda que enchiam as salas dos apartamentos grandiosos, em Copacabana ou Flamengo. Olhava aquelas partituras e discutia méritos de professores: Miriam ou Arnaldo? Familiarizava-me com Rachmaninoff e Brahms, sufocava meu amor por Tchaikovsky, aprendia a conhecer Kachaturian de nome, eu que antes só o conhecia pelas danças. pois meu amor pelos clássicos começou pelo ballet. Como eu adorava ir assistir ao ballet, fosse no teatro, fosse no cinema!
O Karabtchevsky foi o primeiro maestro que conheci. Casado, na época, com a Maria Lucia Godoy, ele era o amor de minha amiga Suzana, que, talvez uns dois anos mais velha do que eu, estava apaixonadíssima por ele, que a ignorava. E eu escutava as confidências, sentia suas mãos geladas, via seu corpo estremecer de emoção, e a consolava, dizendo que um dia o maestro ia perceber que a Maria Lucia era muito feia, e que ela, Suzana, tão linda e tão jovem, era a mulher da vida dele. Era só uma questão de tempo. Um dia ele escaparia do feitiço da cantora e se apaixonaria por ela e eles seriam felizes para sempre. 
Não sei até hoje o que aconteceu. Mudei de colégio, deixei de frequentar a Cecília Meireles, mudei de país, e muito depois encontrei a Suzana casada, com dois filhos que estudavam no colégio militar e tinham orelha de abano. Ela estava esperando que eles atingissem a idade correta para fazerem a correção. O marido, se não me engano, era militar. E eu fiquei pensando na novela de Guimarães Rosa, Noites do sertão. Amor é bom, mas vida é vida, e é também urgente.
Bem, não sei o que o maestro pensa, nem o que pensava na época. Provavelmente pensava no que ia comer depois do concerto, ou no próximo passo em sua carreira.  Na hora em que regia, na hora que rege, acho que ele sente, vibra, pensa em notas e ritmos, em coisas que nunca conseguirei pensar, já que, infelizmente, não tenho esse talento.

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