Monday, March 24, 2008

A vida não pára

Os dias se sucedem, com regularidade. Não importa o atentado em Persépolis ou a tragédia pessoal. O sol se levanta, um pouco mais para a direita ou para a esquerda, conforme a época do ano, e se põe, como uma peça de engrenagem. Saudades do tempo em que o carro do sol era levado por um deus grego, tão próximo de seus fiéis. Era assim que ele "emprestava a chave do carro" para o filho mimado, ou se demorava, a fim de namorar um pouquinho. E havia sempre o perigo de que aquele deus, temperamental como todos os deuses, resolvesse que não cumpriria sua tarefa, ou que sua carruagem quebrasse, ou que um de seus corcéis machucasse uma pata... Os seres humanos deviam estar sempre atentos, e agradecidos.
É, mas isso acabou. Na Bíblia conta-se um único caso de sol parado: no antigo testamento, aquele Deus belicoso resolveu mandar o sol parar para que seu general pudesse ganhar a batalha (Foi Josué, o general?). Nem mesmo a morte de seu único filho mereceu outra parada do sol. Mas nós, humanos, inconformados com a morte, tentamos fazer esse milagre de todos os modos, criando mundos de palavras que nos eternizem ou eternizem algum momento de nossas vidas ou de nossas fantasias. Eu me deleito com as leituras de autores que são capazes, com seus versos ou suas frases, de recriar um mundo que já passou. Estamos terminando A cidade e as serras, de Eça de Queiroz. Meu grupo está adorando a leitura, curtindo os personagens, rindo muito com o humor um pouco grosseiro do Eça. Eu, que já li este romance tantas vezes, ainda me encanto, como da primeira vez. Só que agora saboreio as coisas com mais detalhes, encontro prazeres que não tinha descoberto antes. Uma das coisas que me tem agradado muito nesta leitura é revisitar o mundo de Proust com olhos que, sem dúvida, seriam mais próximos dos meus, se eu tivesse a chance de viver naquele tempo. Rio um riso duplo, pois leio ali nas páginas "tudo o que lá não está", para citar outro de meus portugueses adorados.
A semana recomeça. Tivemos a paixão e a páscoa, hoje banalizada, afogada em chocolate. Tivemos aniversários e mortes, mesmo na festa da ressurreição. Eu continuo acordando cedo, dormindo em frente a TV, caminhando de um cômodo a outro até pousar na frente do computador e dar um pouco de vazão a todos os devaneios -- gosto desse nome pois ele me lembra como os pensamentos são vãos.
Então, ao trabalho. O sol continua sua volta, enviando neutrinos que nos transpassem. Os cientistas um dia descobrirão a função desses neutrinos em nossas vidas, mas nada mudará. Talvez as modas. Talvez nossa imagem nos espelhos. Talvez a vida na Terra se acabe antes que esse conhecimento chegue. Mas o sol, indiferente, vai continuar seu caminho, e continuar se pondo, para o encanto de muitos, nas encostas dos Dois Irmãos.

1 comment:

Anonymous said...

Não pára e passa tão rápida... Se não fosse pela literatura, acho que seria até mais banal. Ou será que eu escrevo isso porque gosto tanto de ler?
Beijos e boa noite, Eugenia.