Saturday, March 08, 2008

Passou

Não sei se isso que vou contar corresponde à realidade. Pelo menos, era como eu a percebia na época. Quando era bem criancinha, daquelas que ralavam o joelho e choravam, minha mãe tinha o péssimo costume de, ao invés de tratar do meu joelho, me chamar e dar um beijinho para passar. Ora, quem já ralou o joelho sabe que a dor não vai embora assim, mas quem ama sabe que é capaz de qualquer coisa para não desagradar o ser amado. Naquela época, o fruto de meu encantamento era minha mãe: linda, bem vestida, alegre e sempre distante. Quando ela me chamava, me dava um beijinho, e perguntava:--Já passou?, com um sorriso encantador, eu, que ainda me retorcia em dor, engolia o choro e abraçando-a, dizia que tinha passado. Como é que eu poderia decepcionar minha mãe? Como é que eu poderia revelar a ela que, como anestésico, seus beijos não tinham nenhum valor? Hoje eu sei que nem todo analgésico é para o corpo. Existem aqueles para a alma. Então aqui estou para dizer para a Flora e para o Amauri, engolindo minhas lágrimas:
--Já passou. Obrigada.

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