Fui à Igreja do Carmo, antiga Igreja da Sé, para assistir a missa em meio aos dourados e esplendores. Muitas vezes fui àquela Igreja, bem como às outras ali da Rua Primeiro de Março. Muitas vezes escutei os sinos que tocavam, pontuais, músicas inteiras, perturbadas pelo acelerar dos ônibus e lotações, pelas buzinas dos carros, pelos gritos dos camelôs. Entrava, sentava nos bancos quase sempre vazios, orava ou não, me benzia com água benta quando havia, contemplava com olhos maravilhados ou tristonhos as belezas e os descuidos. O tempo foi destruindo as belezas, os vidros se partiram, as pinturas descascaram, as luzes se apagaram. As Igrejas decaíram, talvez porque tenham feito a célebre opção pelos pobres. Um equívoco: Igreja nunca foi coisa de pobre -- o cristianismo pode ser que sim, mas a Igreja, entidade política, não pode ser abrigo de mendigos e entidade puramente social. Imaginem uma Suécia que resolvesse fazer a opção pelos pobres: logo seria invadida por imigrantes legais e não tão legais, esvairia suas riquezas distribuindo-as entre as desesperadas mãos dos mais necessitados, e, em pouco tempo, estaria encabeçando a lista dos países subdesenvolvidos...
Igreja é coisa de rico, que pode pagar para os artistas comporem músicas, esculpirem imagens, pintarem telas e tetos, encontrar os artesãos para cobrir com folhas de ouro os entalhes de madeira e transformar o terrestre em divino, ou seja, o possível em impossível. Entrar numa Igreja deve provocar duas reações: a do rico deve ser a admiração e o desejo urgente de associar seu nome a uma nova maravilha nem que para isso tenha que se separar de seus preciosos milhões; a do pobre deve ser de tal encantamento que passem a encarar seus males como secundários. Quando o pobre vai à Igreja imbuído de sentido prático -- para comer, se abrigar da chuva ou raspar um pouco das folhinhas de ouro para pagar uma consulta médica, aí começa a revolução e o declínio daquela beleza.
Mas, o que eu ia mesmo falar era outra coisa: antes de ir à Igreja, li o jornal, e nele encontrei um anúncio de uma tinta corporal, feita com chocolate. É a segunda vez que me deparo com essa tinta. A primeira vez foi em Londres, pilhas e pilhas arrumadas na entrada da Harrod's, banhadas pela luz que deixava aquela tentação dupla ainda mais apetecível. Não comprei. E, lógico, me arrependi de ter deixado toda aquela maravilha para uma pessoa mais ousada e livre que eu desfrutar. Agora também não vou comprar, por mero desinteresse. Mas não deixo de pensar na arte corporal, muito mais suave que a agressiva tatuagem, que poderá alegrar os compradores da tinta. Conclamo os escritores e os artistas plásticos a não deixarem passar esta oportunidade. Talvez seja esta a chance de criar sua obra-prima. Experimentem. Renovem suas catedrais...
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