Tuesday, March 11, 2008

Duas leituras

Na revista Discutindo literatura: Ano 3, número 16, está publicada uma entrevista com o Mia Couto. Sim, muitas das coisas ali publicadas não são novidades, pois falam da influência de Guimarães Rosa no seu estilo, e sobre a política e sobre "literatura africana", coisas já faladas antes. E, talvez, até mesmo o que me assustou na entrevista já tenha assustado outros leitores de Mia Couto. Talvez ele já tenha dito isto antes, confiram:
"Uma coisa é aquilo que eu faço como profissão, que é a biologia, que me ocupa nove, dez horas por dia, e outra coisa é aquilo que faço porque acontece quase como uma doença que me ocorre, que me assalta. Não quero manter essa relação integral com a escrita. Não quero ser um escritor. Não sou daqueles escritores que dizem que se deixar de escrever, deixa de respirar, de viver. O que é vital para mim é ter uma relação criativa com as coisas, com os outros e posso fazer isso com várias outras coisas além da literatura."
Oh, céus! Entendo, compreendo e aplaudo, ao mesmo tempo que me assusto, me revolto, me indigno. Um dos melhores escritores em língua portuguesa dizendo que não quer ser um escritor! Como? Eu sei, a palavra escritor aí adquire outra conotação, mais para ofício que para aptidão, mas com que indiferença ele afirma que pode estabelecer uma relação criativa com as coisas sem ser através da literatura... Pode não, Mia. Pois aí você vai se transformar na pereira que quer frutificar em laranja... Não é este o teu destino!
Por falar em talento, a outra leitura é do primeiro romance do Flávio Izhaki, De cabeça baixa. Rio de Janeiro: Guarda-chuva, 2008.
Já falei aqui no romance, no trailer em que o próprio Flávio aparece de cabeça baixa, mas agora transcrevo aqui uma frase, pois acabo de ler o romance e quero compartilhar as delícias do cuidado com o texto e as imagens.
"Andar por aquelas ruas era como abrir arquivos de lembranças no cérebro. Um banco de concreto, uma história; uma esquina, um assalto que vira quando criança; um poste, duas mãos entrelaçadas que precisaram se separar por segundos, a sua mão e a de Luana."
Elegante e sucinto, em duas pinceladas conta-se uma história e acendem-se as dores das lembranças. O livro é muito bem escrito, e ousa escrever-se e ler-se ao mesmo tempo, num virtuosismo implacavelmente irônico.
Dia 25 de março, lançamento na Argumento. Todo mundo lá!

1 comment:

Marcelo Moutinho said...

Pois eu tendo a concordar com o Mia! Besos!