Adoro a primeira. O escritor dá carona na sua sensibilidade, na sua visão, nas suas veredas. É como um guia, que pega o leitor pela mão e diz: vem que vou te mostrar a vista linda (ou horrível, ou atemorizante, ou perversa) que descobri! Vemos com os olhos dos outros, sentimos com as emoções dos outros e desfrutamos nossa própria sensibilidade sem o perigo de embotá-la em sofrimentos e emoções reais.
Da segunda, não sei se gosto. Compreendo, mas faço objeções. Em que situações desarrumar a cama é bom, me pergunto? E o que significa mesmo desarrumar a cama? Há uma desarrumação que ocorre no "torvelinho das paixões" –eita!– outra que acontece nos "espasmos da febre"; há desarrumações sem fim, em diversas gradações, e o pior é que suspeito de que a gente só se sente confortável mesmo depois que re-arruma a cama. Não sei se vocês, meus queridos leitores, concordam com isso. Talvez a frase me incomode por dar muita importância à cama, lugar sagrado. Meu amado Proust escreveu toda sua obra deitado numa cama, com tinteiros ameaçando a limpeza dos lençóis, almofadas em excesso, xales e mantas protegendo-o do frio do quarto sem aquecimento. Sua fiel Celeste, porém, estava a postos, tirando as migalhas do croissant, esticando lençóis, prendendo as pontas soltas, substituindo, lavando, engomando. Sabemos, por ela, que ele não tolerava nada que não fosse da mais alta qualidade. E ao lermos o texto saído de entre esses lençóis, ficamos certos de que ela não mentiu: Proust era perfeccionista, obsessivo, detalhista. Então me lembro de uma modalidade de corrida, onde os veículos precisam ser não-convencionais. Acho que vi isso pela TV. Os participantes corriam dentro de barris, em carrinhos de rolimã, em bicicletas aladas, em banheiras e em camas. Recordo bem do sujeito, vestido com um camisolão e uma touca de dormir, numa cama sobre rodas correndo desabalada pela rua. Não me perguntem quem ganhou a corrida. Só sei que torci pela cama. Na verdade, a cama, que nos leva aos sonhos, é o veículo mais possante que conhecemos. Por isso, pego carona nesta cama e lá vou eu, aproveitando a deixa da partida.
3 comments:
Nao li o JFS mas com seus textos Lucia, ja viajei para onde nao fui e vi o que ainda nao conheci. Tem toda a razao,o escritor é um guia que te leva para onde voce nao foi e te mostra as coisas que voce quer ver mas nao pode. O bom é que sao tantos, voce escolhe sempre o melhor guia depende do destino que quer ir. Quanto pegar carona na cama, é tentador mas prefiro ir de carona no seu blog mesmo, a cama só para sonhar e ficar revirando o pensamento com aquilo que li.
Beijos!!
Amauri, você é sempre bem vindo! Fico feliz por você embarcar nos meus textos. E sua vinda ao Rio? Estou aguardando!
Não consigo ler seu blog quando tem outra coisa na sequência para eu fazer. Porque eu quero ter tempo para curtir. E isso tem funcionado perfeitamente. Seu texto de hoje me fez ir até o Google e parei para ler um texto dele, do Joaquim:"Meter a língua onde não é chamado". Um primor de texto. Você continua dando carona aqui, também, com seus belos textos que muitas vezes nos fazem comprar livros dos autores que você elogia tanto! (A minha lista continua crescendo, mas já diminui de dois!!!). O escritor realmente dá carona. Mas fiquei pensando em nós, professores de literatura, que levamos o texto até o aluno. Lembro de uma das minhas duas mentoras que me disse uma vez, à beira da aposentadoria: "vou sentir falta de abrir para um aluno um livro que ele nunca abriria sozinho". Ela não escreveu nada além de excelentes ensaios, traduções de autores dificílimos, mas fez com que muitos jovens, muitos mesmo, ansiassem por pegar carona na literatura estrangeira que ela ensinava. E como a viagem foi boa e continua sendo! Abraços, muitos, T.T.
Post a Comment