Mas aí lembrei de Canudos. Quatro anos de guerra porque os adeptos do Conselheiro não conseguiam se ajustar ao sistema métrico. Como é que transformavam "passos" e "braças" numa coisa estranha e abstrata, uma vareta de metro? Quem estava por trás dessa novidade? O anticristo, que, desprezando a criação de Deus, que nos dava pernas e braços para medir nosso espaço, inventava uma vareta e dizia que era esta nossa certeza absoluta. Vejam só. O metro diminuiu, o segundo encurtou, o quilo emagreceu. O anticristo solapou até mesmo sua própria certeza. E nos deixa neste mundo, cada vez mais conscientes de sua precariedade, de sua transitoriedade.
Na viagem que fiz à Verona, estive na praça onde estavam marcadas as medidas para o comércio. Era ali, no trono do príncipe, que estavam as medidas. Em caso de dúvida, era só dar alguns passos e conferir. O punhado de lenha, o comprimento do tecido, o peso do sal, naquele tempo distante estava tudo determinado, às claras. E a ninguém ocorria verificar se a medida estava dentro das medidas. Agora, aquele quilo safado, enclausurado em quartos e redomas, perde sua substância – perde sua alma. E todos ficamos desorientados, sem saber o que foi que aconteceu. Talvez seja melhor colocarmos nossos valores em público e deixar que todos nós cuidemos deles. Quem sabe? Talvez assim, no consenso, se encontre o verdadeiro peso das coisas.
1 comment:
Que crônica interessante, Lúcia! Adoro a leveza e reflexão que traz em seus textos, sejam os "encantados" contos ou essas admiráveis crônicas em que nos compartilha sua vida.
Tudo de bom!
Beijos, beijos!
Ana
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