Wednesday, January 31, 2007
Proust, Vermeer e outros casos sérios
Segunda feira passada fizemos uma festa: é que tenho um grupinho de proustianas que se reúne há uns cinco anos em torno da leitura de Em busca do tempo perdido. No dia 29 terminamos a leitura dos sete volumes, e comemoramos com champagne. Só que dá uma nostalgia, uma sensação de vazio, que até amedronta. Foi uma leitura atenta, minuciosa. Destrinchamos fatos históricos, outras obras literárias; discutimos filosofia, história da arte; escutamos música; refletimos sobre moda; examinamos preconceitos e hipocrisia social... Aprendemos muitas coisas juntas, num ambiente prazeroso e amigo. Uma das coisas que aprendemos a apreciar foi a pintura de Vermeer, e eis que hoje recebo um cartão com esse quadro que aparece aqui ao lado. Fui logo tratar de colocá-lo no blog. Esta mulher humilde, robusta e calma, tão concentrada em sua simples tarefa doméstica foi pintada com os mesmos pigmentos caros que o artista usou para pintar seu rico e aristocrático benfeitor. Esse azul dos quadros de Vermeer era obtido com lápis-lázuli macerado, e todo mundo sabe como essa pedra é cara. Já era caríssima no tempo de Vermeer. Mesmo assim, ele não deixou de usá-la, e com abundância, para pintar a criada. Assim como Proust, que usou a mesma rica linguagem para compor a duquesa de Guermantes e a criada Françoise. E, no final do livro, a duquesa, já sem a magia que a rodeava, se confronta com a empregada. Ninguém se surpreende com a superioridade auferida à velha criada, tal como ninguém se choca com o uso de um pigmento tão extraordinário na pintura da mulher sem nome. São essas pequenas coisas que fazem da arte um assunto sempre fascinante: sua coerência interna é capaz de revelar as grandes verdades, e de dar a precisa dimensão às coisas que nos rodeiam.
Sunday, January 28, 2007
Máscaras
Confesso, de cara, um roubo: tirei a imagem ao lado do blog do Wagner Marques (www.wagnermarques.blogspot.com)
um lugar muito legal, com bons poemas e textos. Ele é lá de Pernambuco, estado para onde pretendo ir em breve, passar o Carnaval.
Por que é que roubei a imagem dos putti? Porque nas minhas resoluções de ano novo decidi que ia começar a fumar e a beber! Então encontro esta imagem e tive que me apropriar dela, para ilustrar minha nova fase de "menina má".
É muito difícil mudar de máscara, sabiam? A gente pensa que é difícil só quando a gente se dispõe a adotar hábitos louváveis, mas adotar qualquer hábito novo é complicado. É preciso lembrar de comprar cigarros, por exemplo, para poder fumar. É preciso gostar do sabor das bebidas para poder beber. E o que é que a gente faz quando não gosta de cerveja, e está muito calor para tomar vinho? Quanta complicação... Bem, vou me esforçar mais um pouquinho. Quem sabe no Carnaval a fantasia engrena? Ou é melhor ir vivendo sem fantasia?
Saturday, January 27, 2007
Outro poema
Posse
Lúcia Bettencourt
O homem se apoderou da poesia
substantivo feminino
para não termos chance de possuí-la
Mas eu infrinjo regras e tabus
levo ela pra cama e
me divirto
por escrito.
Não tenho vergonha de admitir
que me encanta a vulva da palavra
seus sumarentos espaços
convidativos como desabafos.
Exploro-a com o meu lápis
um ato falho
E quem me consome
me come
me fala o meu
eu
é
ela.
a
bismo.
Friday, January 26, 2007
Hermes Trismegistus
- "Verdadeiro, sem mentira, certo e veríssimo.
- O que é inferior é como (o) que é superior, e o que é superior é como (o) que é inferior, para realizar (variantes: para penetrar, para preparar) os milagres de uma coisa única.
- E como todas as coisas vieram de um, pela meditação (variante: pela mediação) de um, assim todas as coisas vieram dessa coisa una, por adaptação
- (variante inexata: por adoção).
- Seu pai é o Sol, sua mãe, a Lua; trouxe-o o vento em seu ventre; a sua nutriz é a terra.
- O Pai de toda perfeição do mundo inteiro é este.
- A sua força (virtude) permanece íntegra, mesmo quando derramada na terra.
- Separarás a terra do fogo, o subtil do espesso, suavemente e com muito engenho.
- Subiu da terra para o céu, novamente desceu para a terra, e recebeu a força dos superiores e dos inferiores. Assim terás a glória do mundo inteiro.
- Por isso fuja (fugirá) de ti toda escuridão.
- Este (esta) é a fortaleza forte de toda fortaleza, porque vencerá toda coisa sutil e penetrará toda coisa sólida (variante: e tudo o que é sólido).
- Assim foi criado o mundo.
- As adaptações dele serão admiráveis, e o seu modo é este.
- Por isso sou chamado Hermes Trismegisto: tenho as três partes da filosofia do mundo todo.
- Está terminado o que eu disse sobre a operação do Sol."
Num bate-papo com o André de Leones (Hoje está um dia morto) escrevi a palavra hermetismo umas cinco vezes em três linhas. Daí me veio a dúvida: a palavra viria mesmo de Hermes, como parecia evidente? Hermes é o deus do comércio, é o mensageiro dos deuses, exatamente porque é bom de conversa, como poderia estar ligado a um tipo de comunicação difícil, pouco clara? Fui googlar o hermetismo e daí surgiu este texto. Como todos os deuses, há o negativo e o positivo: Hermes ao mesmo tempo que se comunica, se trumbica, como diria o filósofo Abelardo Barbosa, a.k.a. Chacrinha e o texto que copiei acima mostra como.
Quem o decifrar vira Édipo. E está terminado o que eu disse sobre o hermetismo.
Medos e receios
E, por falar em MPB, a entrevista que dei à emissora foi ao ar, e recebi muitos recados por conta disso. As pessoas me procuraram no ORKUT (que nome feio, meu Deus) e aqui no Blog também.
Isso da entrevista foi apenas um parênteses, pois o que me interessa hoje é explorar um pouco esses medos e receios inerentes à vida. Creio que eles me atacam todas as vezes que preciso tomar uma decisão, e como viver é decidir, creio ser justo dizer que viver é recear. Vejam só o que diz Amós Oz :
"Para escrever um romance de oitenta mil palavras é preciso tomar no decurso do processo algo como um quarto de milhão de decisões. Não só decisões sobre o enredo, quem vai viver ou morrer, quem vai amar ou trair, quem vai ficar rico ou sobrar por aí, quais vão ser os nomes e as caras dos personagens, seus hábitos e ocupações, qual vai ser a divisão em capítulos e o título do livro (essas são as decisões mais simples); não apenas o que narrar e o que ocultar, o que vem antes e o que vem depois, o que revelar em detalhes e o que apenas insinuar (essas também são decisões bem simples); mas é preciso ainda tomar milhares de minúsculas decisões como, por exemplo, na terceira sentença do começo do parágrafo deve-se escrever "azul" ou "azulado"? Ou seria melhor "azul-celeste"? Ou "azulão"? Ou "azul-marinho"? Ou poderia ser "azul-cinzento"? Bem, que seja "azul-cinzento", mas onde colocá-lo? No começo da frase? Ou seria melhor aparecer só no final? Ou no meio? Ou deixá-lo como uma frase bem curta, com um ponto antes e ponto e parágrafo depois? Ou não, quem sabe seria melhor fazer esse "azul-cinzento" aparecer no fluxo de uma frase longa, cheia de subordinaçoes? Ou quem sabe melhor seria simplesmente escrever as quatro palavrinhas "a luz da tarde", sem tentar pintá-las seja de "azul-cinzento" seja de "azul-celeste" ou de qualquer outra cor?"
Vejam, então, que não dá nem mesmo para me refugiar no ofício de escritora. Numa média de mais de três decisões para cada palavra, eu, que sou prolixa já decidi tanta coisa na vida que não sei como ainda me presto a escrever. Mas essas decisões não me amedrontam. Podem cansar, mas amedrontar, não, principalmente depois do advento do computador e das teclas deletar, cortar e colar. A gente sempre tem a chance de revisar e corrigir. Até depois de publicada uma história, sempre há a chance de fazer uma nova edição e publicar uma nova versão. Na vida real, porém, não dá para deletar, inserir, revisar. Fazemos e pagamos o preço. O problema é que, na maioria das vezes, desconhecemos o preço que vai ser cobrado. Acho que por isso é que o Rosa dizia que viver é muito perigoso: periga chegar no final e descobrirmos que estamos na falência.
Tuesday, January 23, 2007
Babel: filme e torre
Monday, January 22, 2007
Carnaval em Veneza
Tantos planos! Deve ser o aniversário que vem chegando, o Carnaval que se aproxima,o início de um novo livro. Não vou vestir" la giuba", vou é colocar a máscara e sair por aí.
Casa no campo
De tarde, deitada na rede do alpendre, notei que um mugido se repetia, insistente. Curiosa, calcei o tênis e fui tentar descobrir o que acontecia. Era um boi todo preto que tinha sido deixado no cercado sozinho, enquanto as vacas eram ordenhadas. Ele chamava, inquieto, com saudade das companheiras. Debruçada na cerca eu me compadeci de sua angústia, eu, especialista em saudade. Disse a ele, desta vez em português mesmo, que elas iam voltar, e ele se acalmou. Fiquei ali, falando coisas carinhosas e acho que fui eloquente, pois um cavalo -- perdão, perdão -- um garanhão se aproximou orgulhoso. Com certeza queria saber o que era feito das éguas. Mas o dono da fazenda chegou, e eu interrompi a conversa. O boi e o garanhão compreenderam. Um sacudiu suas crinas, elevando o pescoço e tremulando as pequenas orelhas num aceno. O outro me envolveu num olhar ainda mais doce e piscou um dos olhos, cúmplice, agradecido pela minha atenção. Voltei para a minha rede, tentando convencer o fazendeiro de que ele aumentaria a produção de leite se colocasse Mozart para tocar nos estábulos.
Friday, January 19, 2007
O tucano da rua da Paula
O tucano se entremostra entre a folhagem empoeirada de uma árvore urbana, e enche meu coração de ternura por um bicho improvável e solitário. Lamento sua tristeza, sua falta de grandeza numa árvore raquítica, com uma cantora sem prestígio. Meu pobre tucano não atrai as romarias que a capivara mereceu durante sua permanência na Lagoa. Não é fotografado por pessoas hábeis com celulares, nem mesmo por fotógrafos com suas câmera mais antigas, de focos poderosos. Meu pequeno e desvalido tucano equilibra-se na extremidade do seu bico, e se esconde entre as folhas ralas da árvore, esperando alguma coisa que não tenho para lhe dar. Depois se cansa e voa, discreto, sem que eu veja seu esforço em transportar tamanha carga com suas asas frágeis. Esta pequena ave, com sua presença quieta e modesta, acentua a minha solidão, dá-lhe contornos inesperados, toma meu coração em seu bico e, laboriosamente, reabre sua ferida a cada aparição. E, no entanto, é belo. E eu o espero, procuro seu vulto entre as folhas, e, contraditoriamente, me alegro enquanto choro a sua presença.
Tuesday, January 16, 2007
Amigos invisíveis
Tuesday, January 09, 2007
Dia de Reis e de Resenha
Cliquem no link para ler a resenha, e aproveitem para conhecer mais um blog.
Agora só falta uma resposta da Record quanto ao segundo livro: Linha de sombra.