Friday, January 19, 2007

O tucano da rua da Paula

O Rio de Janeiro é uma cidade maravilhosa porque consegue nos surpreender a cada momento. Há algum tempo atrás, descobriram uma capivara morando na Lagoa. Eu, também na Lagoa, descobri um tucano morando numa árvore em frente à casa da Paula. É uma bela visão, aquela ave de bico improvável, pousada entre os galhos de uma árvore espremida entre um prédio e a rua. Nunca vi o tucano voar, mas ele, com certeza, voa. Voa porque nem sempre o encontro pousado na árvore, abrindo e fechando seu bico imponente, orgulhoso do som que consegue tirar com esse movimento. Um tucano músico, acredito, que vem fazer uma serenata diurna para os habitantes da rua. Um tucano solitário, também. Sozinho ele aparece, e se deixa ficar, espiando os homens e mulheres que o espiam e aguardam. Quantas pessoas saberão da existência desse tucano? Eu, Andréia e Leonardo já o vimos e ao seu bico, quase tão grande quanto seu corpinho esguio. Nem sempre o vejo, porém. Dias há em que contemplo a folhagem com atenção, sem conseguir localizá-lo. Mas o fato de um tucano ter vindo pousar nesta árvore, um dia, tornou-a especial. Uma árvore que transcendeu sua condição vegetal e tornou-se literária: a árvore que acolhia tucanos em Guimarães Rosa saiu das páginas do livro e veio para a beira da Lagoa, para a cidade maravilhosa, porque capaz de maravilhas.
O tucano se entremostra entre a folhagem empoeirada de uma árvore urbana, e enche meu coração de ternura por um bicho improvável e solitário. Lamento sua tristeza, sua falta de grandeza numa árvore raquítica, com uma cantora sem prestígio. Meu pobre tucano não atrai as romarias que a capivara mereceu durante sua permanência na Lagoa. Não é fotografado por pessoas hábeis com celulares, nem mesmo por fotógrafos com suas câmera mais antigas, de focos poderosos. Meu pequeno e desvalido tucano equilibra-se na extremidade do seu bico, e se esconde entre as folhas ralas da árvore, esperando alguma coisa que não tenho para lhe dar. Depois se cansa e voa, discreto, sem que eu veja seu esforço em transportar tamanha carga com suas asas frágeis. Esta pequena ave, com sua presença quieta e modesta, acentua a minha solidão, dá-lhe contornos inesperados, toma meu coração em seu bico e, laboriosamente, reabre sua ferida a cada aparição. E, no entanto, é belo. E eu o espero, procuro seu vulto entre as folhas, e, contraditoriamente, me alegro enquanto choro a sua presença.

2 comments:

Helder Herik said...

esta é Lúcia por ela mesma. "Quem sou eu
Escritora, é tudo. Meu livro já publicado chama-se A secretária de Borges. Meus livros por publicar são muitos: A contramão da palavra, Linha de sombra, Poemas inscritos no corpo da amada...Vivo pequenamente, mas penso grande."

as coisas vão se acertar.
"facas dentro de um homem
dão-lhe mais impulso"

diria o João Cabral. e sua faca Lucia, ainda tem muito corte pela frente. é só amolar que o corte afia.

beijos ;)

Anonymous said...

Muito bom dona Lúcia... Gostei do ritmo do seu texto! E vi num post mais embaixo que como eu tem o hábito de prolixidade e "amigos invisíveis"... Não perderei tempo em linká-la para sempre retornar... mas por favor, não se sinta obrigada em retribuir. Não é esse o objetivo. Não o faria se não gostasse do seu texto. Ah, eu já tive um tucano! Sabia que quando novinhos eles tem o bico meio pra verde? Por isso sempre relaciono o bico de um tucano a uma fruta e a sua voz a uma percussão... tec tec tec Bisous!