Monday, January 22, 2007

Casa no campo

Passei o fim de semana numa fazenda em Minas Gerais. Nada de hotel fazenda, com seu faz-de-conta de vaquinhas e cavalinhos, de hortaliças fresquinhas e patinhos em lago artificial. Fui a uma fazenda de verdade, onde as vacas são descritas como espécies de usina de transformação de capim em leite e sua produção é contabilizada pelos métodos mais rigorosos. Onde os bois valem o quanto pesam, e os touros valem o quanto emprenham. Nesse ambiente sério, espargi uma dose de loucura, ao me colocar junto as cercas e encetar longos diálogos mugindo de volta para o gado. Eu não sei o que dizia, só sei o que tentava dizer: que eles eram animais lindos, com olhos cantados por Homero e por Drummond. Que muita gente gostava deles não pelo leite que produziam, nem pela carne que ofereciam, mas pelo encanto que oferecem a um pasto, ao se espalharem harmoniosamente sob árvores, ou se deitando em poses tranquilas para observar a vida. Que eu gostava de suas cores, do formato de suas orelhas atentas, de sua paciência. Sei que atraí a atenção dos que me escutaram, que se postaram atentos, me procurando com o olhar. Alguns até se aproximaram, curiosos.
De tarde, deitada na rede do alpendre, notei que um mugido se repetia, insistente. Curiosa, calcei o tênis e fui tentar descobrir o que acontecia. Era um boi todo preto que tinha sido deixado no cercado sozinho, enquanto as vacas eram ordenhadas. Ele chamava, inquieto, com saudade das companheiras. Debruçada na cerca eu me compadeci de sua angústia, eu, especialista em saudade. Disse a ele, desta vez em português mesmo, que elas iam voltar, e ele se acalmou. Fiquei ali, falando coisas carinhosas e acho que fui eloquente, pois um cavalo -- perdão, perdão -- um garanhão se aproximou orgulhoso. Com certeza queria saber o que era feito das éguas. Mas o dono da fazenda chegou, e eu interrompi a conversa. O boi e o garanhão compreenderam. Um sacudiu suas crinas, elevando o pescoço e tremulando as pequenas orelhas num aceno. O outro me envolveu num olhar ainda mais doce e piscou um dos olhos, cúmplice, agradecido pela minha atenção. Voltei para a minha rede, tentando convencer o fazendeiro de que ele aumentaria a produção de leite se colocasse Mozart para tocar nos estábulos.

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