Saturday, September 07, 2013

cidade sitiada

Venho para meu escritório e vejo navios de guerra no mar. Então é isso? Entramos em guerra? Ou essa é apenas uma demonstração meio anacrônica, pelo dia da Independência?
Como comemoraria meu dia da independência? Para começar, o que é independência? Sou uma pessoa gregária demais para querer ser "independente". Por exemplo: jamais me meteria numa aventura como a de Cheryl Strayed, caminhando um montão de km a pé, numa trilha no alto das montanhas, sozinha. Mas eu teria seguido meu marido, se ele tivesse encasquetado uma aventura dessas. Reclamaria antes, sem dúvida. O quê? Atravessar o Atlântico de barco? Só nós dois? E meus livros? E se a gente ficar doente? E… Mas, ao mesmo tempo, estaria preparando as malas, comprando equipamentos (claro que os mais estapafúrdios, tipo uma coleção de bandeiras sinalizadoras com um manual, para poder mandar mensagens caso todos os equipamentos do barco pifassem, ou um dessalinizador de água do mar que sem dúvida salvaria nossas vidas depois de ficarmos à deriva por causa de uma calmaria). A primeira coisa que colocaria na mala seria uma roupa bem linda, para usar no dia da comemoração  ao aportarmos em nosso destino. Depois, um caderno, canetas e lápis, meu laptop (Gui, tem certeza de que vamos conseguir carregar a bateria?). Uns bons litros de filtro solar e de creme hidratante. Depois iria, amorosamente, escolher os CD's e os DVD's para o meu marido. Aquele Dvd do Gato Barbieri tocando Astor Piazzola em Paris não podia faltar. O Music for Montserrat também não. BBKing? Ah, mas o Gui gosta tanto… E o John Coltrane? Claro! My Funny Valentine, com Chet Baker? Indispensável. Liebestod? Esse vai, junto com Gymnopédie.
Depois, alguns livros, para ler a dois. A arte de amar, de Ovídio, pois desta vez ele não me escapa! Será que levo os 50 tons de cinza? Nah…pelo que andei folheando, não vale a pena…
No dia aprazado, lá estaria eu, bem acomodada no barco, já preocupada com alguma outra coisa, mas, cinco minutos após termos saído a boca da barra, depois de lambuzá-lo bastante com o protetor solar, apesar de seus veementes protestos, já estaríamos rindo e felizes com a nossa aventura. E, mais tarde, quando um desanimasse, o outro o ampararia, alternando forças e sonhos.
Como saí do estado de sítio em que estamos para esses sonhos de viagem?
Os sonhos, quase sempre, me bastam. Acho que, desta vez, talvez tenha sido a leitura do poema de Ivan Junqueira em homenagem ao Luís Paulo Horta, combinada com a coluna do Arnaldo Bloch, que fala do Livro da Vida e das memórias. Aprendi, com o povo Sami, lá da Finlândia, que as pessoas não morrem enquanto existe alguém que lembre sua canção. Pois cada um que nasce recebe uma canção própria, e, nas reuniões do clã, eles sempre cantam as suas canções, e a dos antepassados, e enquanto aquela canção for lembrada, a pessoa, mesmo desaparecida, ainda estará viva.
Pessoas queridas têm muitas canções. É difícil não pensar nelas, mesmo quando a gente olha para um encouraçado singrando esse belo mar de anil… Ou para um cartão de visitas de uma galeria, com um lindo quadro de Pancetti. Pequenino, esse meu cartão. Mas vou emoldurá-lo, como a um diploma de vitória.

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