Não sei se sou fiel ou se sou apenas chata. Nunca troquei de marido, por exemplo. Enquanto o Guilherme viveu, fui sempre fiel e apaixonada, companheira, parceira, cúmplice. E depois que ele morreu permaneço fiel a esse amor que ainda me habita, apesar da ausência física do amado. Sou fiel a coisas básicas. Posso tomar o mesmo café da manhã todos os dias do ano, sem cansar: mamão, de preferência com algumas gotinhas de limão, café puro, queijo e presunto. Tenho uma amiga que varia seu café da manhã todos os dias. Passei uns dias hospedada em sua casa e me admirei com ela, porta do congelador aberta, absorta em contemplação, sem saber o que escolher para o café. Estávamos nos EUA, onde receio que isso seja mais comum do que eu pensava. Os pais perguntam aos filhos o que vão querer de café da manhã. E cozinham ovos, preparam french-toasts, oferecem três ou mais tipos de cereais (eles devem de ter uns 150 tipos diferentes em oferta, nos mercados), preparam bolinhos, torram fatias de pão, cortam frutas, misturam geléias nos iogurtes criando novos sabores que um dia aparecerão industrializados nas gôndolas… Tanta oferta e as crianças dão duas bicadas no leite, comem metade ou um terço de sua escolha e são obrigadas a deixar tudo para trás pois vão perder a hora. E lá se vai toda a comidaria para o lixo. Não admira que algumas mães engordem tanto depois de terem filhos. Vai ver que, com pena de jogar tanta comida no lixo, elas comam todas as sobras das duas, ou três crianças. O pote de cheerios de um, o lucky charm de outra, o bagel com cream cheese do marido, o ovo que ela havia preparado para si mesma, na tentativa de "cortar os carbs", como eles dizem todas as vezes que entram em dieta. Acho que aqui no Brasil ainda é mais fácil. Café com leite, pão com manteiga me parece ainda dominar nas mesas. Mas, aí, abriram estes restaurantes que servem cafés da manhã monumentais. O sujeito acorda no fim de semana e não dá mais aquela paradinha na padaria, no caminho da banca de jornal. Ainda se vê um ou outro freguês encostado no balcão, tomando média no copo (ih, é proibido, mas é tão gostoso…) e comendo um pão canoa, com a manteiga derretendo. Agora o pessoal acorda e já vai enfrentar a fila para conseguir uma mesa e tomar aqueles cafés que incluem sucos, ovos, cesta de pães, salada de frutas, iogurtes, geléias, requeijão, cereal, fatias de queijo branco e de presunto de peru (assim fica light, eles pensam). Para as criancinhas, um super milkshake e um queijo quente. Mas, saí completamente do meu assunto, que era a fidelidade! Volto a ele.
Sou fiel até a hábitos. Antes de preparar meu café, vou em busca do jornal, por exemplo. Por isso agora, que o jornal tem subido atrasado, tenho que me refrear para não pegar o interfone e reclamar com a portaria. Na verdade, por que é que preciso de ler o jornal tão cedo? Não preciso. Na verdade, hoje em dia a gente nem precisa ler o jornal. As notícias se repetem, regulares, mudando apenas os protagonistas. Eu, que não sou detalhista, não consigo ver a diferença entre a corrupção de João e de José. E os países, hoje a Coreia, amanhã o Irã, depois de amanhã – ou teria sido no passado – Cartago, se alternam como ameaças iminentes à paz mundial. O que quero mesmo é ler meus amigos cronistas. Como sou avoada, nunca sei em que dia eles escrevem. Veríssimo, Ubaldo, Jabor, Francisco Bosco, Wisnik, Joaquim, Xexéu, geralmente fico alegre (e surpresa) quando os reencontro. Leio-os, fielmente, há anos. Sendo assim, não abro mão da minha assinatura. Antes assinava o JB também. Depois que ele acabou em papel, deixou de existir para mim. Sou capaz de ler livros digitais, mas jornal digital nem sequer quando viajo! Fico danada com aquelas armadilhas colocadas ao lado da notícia, por exemplo, dos 60 anos de reinado da Elizabeth, que nos oferece as fotos do Harry na comunidade do Alemão em que sempre acabo caindo e me perdendo para sempre. Vou de armadilha em armadilha e, quando vejo, estou lendo sobre as próteses de silicone da atriz fulana que vai se casar com o… Chega! Isso me faz lembrar de minhas idas ao dicionário. Nunca me restrinjo à palavra que busco. Digamos que eu vá ao dicionário em busca de restringir. Afinal, é um verbo pouco usado. Como não tenho dons mediúnicos, nem meu dicionário tem linguetinhas com as letras, abro-o ao acaso e caio, por exemplo, na página que é encabeçada pela palavra Toé. Toé? Nunca ouvi falar, e minha curiosidade se aguça. Leio a definição: que fala de solanáceas e infundibuliformes e até escopolamina. Simplifico: planta que dá barato. Descubro que a página em que caí é uma armadilha. Vejam só outros exemplos: Tola, que revela que nossa tolice não tem limites, uma vez que tola é um outro nome para a nossa cabeça, e também sinônimo de juízo. Mas não para aí. Existe uma tola que é uma espécie de torquês de madeira usada pelos penteeiros… Desisto. Deixo para os leitores o prazer de ir ao dicionário descobrir que penteeiro é quem fabrica …pentes, claro! Mas, estimulada pela recente polêmica em torno da palavra cigano, lá vou eu ver o que está escrito no meu dicionário, um vestuto Aurélio, já meio desmilinguido, de tanto uso. "Povo que tem um código ético próprio". Politicamente correto, é verdade. Mas, em seguida, lá vem: indivíduo trapaceiro, trampolineiro, velhaco. E termina com: Ladino, astuto, trapaceiro. E agora? vamos queimar o dicionário porque a palavra já foi usada com esses sentidos agora ressentidos? Lá me perdi de novo de meus assuntos! Volto à fidelidade, dizendo que sou fiel aos meus amigos, e coleciono alguns de muitos e muitos anos de convivência. De um deles, recebi um cartão enigmático: Prolfaças pelo genetlíaco! Deixo a vocês o prazer de procurar o significado, mas já adianto: está escrito em vernáculo!
Sou fiel até a hábitos. Antes de preparar meu café, vou em busca do jornal, por exemplo. Por isso agora, que o jornal tem subido atrasado, tenho que me refrear para não pegar o interfone e reclamar com a portaria. Na verdade, por que é que preciso de ler o jornal tão cedo? Não preciso. Na verdade, hoje em dia a gente nem precisa ler o jornal. As notícias se repetem, regulares, mudando apenas os protagonistas. Eu, que não sou detalhista, não consigo ver a diferença entre a corrupção de João e de José. E os países, hoje a Coreia, amanhã o Irã, depois de amanhã – ou teria sido no passado – Cartago, se alternam como ameaças iminentes à paz mundial. O que quero mesmo é ler meus amigos cronistas. Como sou avoada, nunca sei em que dia eles escrevem. Veríssimo, Ubaldo, Jabor, Francisco Bosco, Wisnik, Joaquim, Xexéu, geralmente fico alegre (e surpresa) quando os reencontro. Leio-os, fielmente, há anos. Sendo assim, não abro mão da minha assinatura. Antes assinava o JB também. Depois que ele acabou em papel, deixou de existir para mim. Sou capaz de ler livros digitais, mas jornal digital nem sequer quando viajo! Fico danada com aquelas armadilhas colocadas ao lado da notícia, por exemplo, dos 60 anos de reinado da Elizabeth, que nos oferece as fotos do Harry na comunidade do Alemão em que sempre acabo caindo e me perdendo para sempre. Vou de armadilha em armadilha e, quando vejo, estou lendo sobre as próteses de silicone da atriz fulana que vai se casar com o… Chega! Isso me faz lembrar de minhas idas ao dicionário. Nunca me restrinjo à palavra que busco. Digamos que eu vá ao dicionário em busca de restringir. Afinal, é um verbo pouco usado. Como não tenho dons mediúnicos, nem meu dicionário tem linguetinhas com as letras, abro-o ao acaso e caio, por exemplo, na página que é encabeçada pela palavra Toé. Toé? Nunca ouvi falar, e minha curiosidade se aguça. Leio a definição: que fala de solanáceas e infundibuliformes e até escopolamina. Simplifico: planta que dá barato. Descubro que a página em que caí é uma armadilha. Vejam só outros exemplos: Tola, que revela que nossa tolice não tem limites, uma vez que tola é um outro nome para a nossa cabeça, e também sinônimo de juízo. Mas não para aí. Existe uma tola que é uma espécie de torquês de madeira usada pelos penteeiros… Desisto. Deixo para os leitores o prazer de ir ao dicionário descobrir que penteeiro é quem fabrica …pentes, claro! Mas, estimulada pela recente polêmica em torno da palavra cigano, lá vou eu ver o que está escrito no meu dicionário, um vestuto Aurélio, já meio desmilinguido, de tanto uso. "Povo que tem um código ético próprio". Politicamente correto, é verdade. Mas, em seguida, lá vem: indivíduo trapaceiro, trampolineiro, velhaco. E termina com: Ladino, astuto, trapaceiro. E agora? vamos queimar o dicionário porque a palavra já foi usada com esses sentidos agora ressentidos? Lá me perdi de novo de meus assuntos! Volto à fidelidade, dizendo que sou fiel aos meus amigos, e coleciono alguns de muitos e muitos anos de convivência. De um deles, recebi um cartão enigmático: Prolfaças pelo genetlíaco! Deixo a vocês o prazer de procurar o significado, mas já adianto: está escrito em vernáculo!
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