Tuesday, July 29, 2008

O mundo gira, a Lusitana roda.

De vez em quando dou dessas bandeiras, relembrando um passado tão distante que me coloca quase na pré-história da humanidade! Quem se lembra do anúncio acima, é melhor não confessar, pois revela sua, digamos, eternidade. Por falar em eternidade, chego e descubro que Dercy Gonçalves morreu. E eu pensava que ela era verdadeiramente eterna... Descubro também que hoje é o "dia do orgasmo", e me pergunto: desde quando isso precisa de dia, gente? O que foi que aconteceu com os brasileiros? Chego num inverno que parece verão, regressando de um verão que mais parecia inverno. Budapeste, Viena e Praga me acolheram com muita chuva e frio. Nas pontes de Budapeste e de Praga encontrei foi muita chuva, que chegava assim de repente, e caía pesada sobre artistas e turistas incautos, sobre mendigos prostrados no chão, em súplicas infindáveis, sem mostrar seus rostos, sobre cegas que cantavam suas árias de óperas ou canções populares, indiferentes à indiferença que os passantes manifestavam. Não encontrei duplos, nem a morte, nem a vida. Nem os fantasmas de Cortázar, Borges ou Kafka. Ocupada em me desviar de pontas malignas de guarda-chuvas abertos, ou de sair da mira das câmeras fotográficas que pareciam hidras raivosas, mal conseguia olhar as esculturas e os monumentos que bordeavam o Duna, Danau ou Danúbio. Em Budapeste o rio não era mais azul, e sim verde, verde claro, largo, o chefe das muitas fontes de águas que se espalham pela cidade em piscinas e spas, em banhos turcos legítimos, em piscinas de água mineral construídas para hipopótamos, e em torrentes de chuva, gelada, que ensopavam os turistas em todos os pontos turísticos. Da correria que foi minha excursão, ficou a lembrança de uma cidade imensa, onde tudo o que nos parecia interessante estava sempre na margem oposta do rio. De pontes, extensas e muito belas, com histórias comoventes. De uma avenida larga, a Av. Andrassy, calçada com uma madeira especial para abafar o ruído dos cascos de cavalo, impedindo que o sono dos aristocratas fosse perturbado. De uma ópera que nos foi apresentada como uma caixinha de bombons -- coisas da língua espanhola, pois se fosse em português ela seria apresentada como uma caixinha de jóias -- onde imaginamos a Sissi (claro que na sua versão Rommy Schneider) se deixando admirar enquanto fingia escutar a música de que ela talvez gostasse. Outras lembranças que ficaram foi a enorme ampulheta que marca um ano inteiro, ao lado de um monumento aos heróis da resistência ao comunismo, uma bela escultura em formato de proa de nau. A grande praça com os sete guerreiros magyares que deram origem às cidades gêmeas, ao decidirem abandonar suas vidas nômades e se fixarem ali para sempre. A chuva intensa que nos deixou completamente encharcados no alto do Bastião dos pescadores, apesar do guarda-chuva aberto e do casaco que se dizia impermeável, mas que deixou a água passar pela gola e pelas mangas. A informação de que aquele tinha sido o limite do império romano. E a sensação de que as pessoas se sentiam um pouco sem sorte ali em Budapeste -- muitas invasões, escolhas erradas dos governantes quanto aos aliados nas guerras, políticos pouco escrupulosos -- mas muito orgulhosos de sua história e de sua cidade. Que é linda, mas que precisa de muito cuidado com a limpeza e recuperação das fachadas.
Não posso contar toda a viagem hoje, pois o post ficaria longo demais. Só esboço o trajeto: De Budapeste para Viena, dali para Praga, onde conheci o Castelo e a casa onde Kafka morou (não admira que ele tenha feito seu personagem virar barata: era o único ser que caberia confortavelmente dentro do espaço exíguo). Coincidentemente, ali ele escreveu um livro de contos (Um médico rural) que acabei de ler no semestre passado, visto que uma das histórias é retomada pelo Coetzee em seu livro A vida dos animais. De Praga para Dresden -- um deslumbre! E com sol, com gente pelas ruas, com uma alegria de festa. Depois Berlim, de onde fugi uma manhã para conhecer Potsdam, a da conferência de paz e do palácio Sans Souci. Finalmente, Roma a bela. Velha conhecida, ela me recebeu com carinhos de grande amiga, e mostrou lembranças e surpresas.
E de volta ao Rio. De volta ao blog. De volta aos amigos, às aulas, à família. O mundo girou, mas não saiu do lugar onde o deixei. A Lusitana não já não roda, pelo menos, nunca mais vi seus caminhões de mudança. E eu, pois mais que rode, volto sempre ao mesmo lugar.

2 comments:

Guido Cavalcante said...

Feliz regresso, Lucia. O seu texto me deixou curiosos sobre A Vida dos Animais. Isso porque tentei ver um filme absolutamente horroroso sobre a convivência entre homens e animais que está neste link:
http://veg-tv.info/Earthlings

Tentei, mas não consegui chegar ao final - parei no massacre de golfinhos. O filme é longo, dura hora e meia, narrado pelo Joaquin Phoenix. Clicando "português", vc pode obter a versão legendada.

A visão de sua viagem é a de um tour bastante exaustivo. O Julio Cortazar e sua mulher Carol Dunlop fizeram uma viagem Paris-Marselha em 30 dias, numa kombi. O resultado está no delicioso livrinho "Los argonautas de la cosmopista".

Novamente: feliz regresso :-)

Anonymous said...

Boas vindas,Lúcia !
Ernane