Pela primeira vez passei o Carnaval em Recife.
Pela primeira vez passo o Carnaval no meio do povo, de seus ritmos, de seus suores e cheiros. Saí da janela e mergulhei na confusão, na feira, nos risos, nas dores. Estranhei, muito. Refleti, no desconforto, sobre o que atrairia essa multidão para as ruas de cheiros acres e desagradáveis; no que poderia levar toda essa gente para caminhos apinhados, desprezando o cansaço e as inevitáveis dores nos pés. Fui listando as coisas desagradáveis que me ocorriam: a inevitável dor nos pés; o cansaço; o nojo que invadia as narinas e os corpos; o calor ampliado pelas barracas preparando comidas azedas e pouco saudáveis. Mas o que insistia em aparecer em minha mente, eram os rostos iluminados de riso; as famílias fantasiadas arrastando juntas, pelas ruas, sua exaustão incansável. As moças em flor; as crianças em botão adormecidas no colo dos pais; as velhinhas trêmulas, caminhando resignadas e abraçadas nas filhas maduras; os velhos resistentes ornamentados de fitas e guisos, os rostos cavados e crestados de sol, prontos para a batalha.
A cidade não desvendava seu mistério, apenas exibia o milagre de um povo em transe. Refleti, muito, e já me resignava a ficar sem resposta quando, numa noite, no pátio de São Pedro, a máquina do mundo se revelou perante meus olhos. No palco, alguém tocava e cantava algum ritmo desconhecido para mim. As pessoas se espalhavam pela praça, sentadas, ou conversando em grupos pequenos. Foi quando os músicos anunciaram uma Ciranda, e, sem mais nem menos, todos foram se unindo num grande círculo mágico, mas antigo que a cidade, mais antigo que a nação, remontando a um tempo tão ancestral que era difícil identificar. As mãos se uniam, jovens e velhas, macias ou calosas, de cores diferentes, de tratos diferentes. Um passo para dentro da roda. Mãos para cima. Um passo para fora. E o mundo girava e fazia sentido. Mas foi um instante. Logo as mãos se afastaram, o circulo se rompeu. Por breves instantes compreendi que a festa fazia sentido, e que fazia muito sentido eu estar ali naquela ciranda, esquecida da dor. Mas a música demorou menos que o vôo de um beija flor. A máquina do mundo voltou a ser impenetrável. Mas o meu coração passou a achar muito natural os novos compassos exigidos para suas batidas.
2 comments:
quando o coração aceita, tudo fica mais leve =)
um beijo!!!
Ah, é esse movimento todo mesmo durante essa festança em meu Pernambuco. Espero que vc tenha ido outros lugares, como por exemplo: Olinda!
Acho que o frevo é a patente mais genuína de nosso carnaval!
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