Tuesday, July 27, 2010

De Lua.

A casa se esvaziou e com ela a minha cabeça. Trabalhei, inspecionei, me emocionei e depois entrei numa espécie de limbo, como se a vida tivesse parado. Resultado, esqueci. Esqueci compromissos, esqueci o que tinha que fazer, esqueci onde coloquei os achados, esqueci de olhar, esqueci. Por isso não fui ao concerto, não fui ao lançamento, coisas que estavam marcadas na agenda. Por isso não escrevi no blog esta semana. Por isso fiz coisas inesperadas. Revi ballets, fui ao teatro, encontrei amigas que moram em outro país… Mas tudo me parece feito por uma outra pessoa, não pela Lúcia certinha que sou. Procuro me centrar, de novo. Me reencontrar. Me organizar.
Em primeiro lugar, dirijo-me logo à T.T., que tem sido assídua em suas leituras: Achei fotos nossas: você, papai e eu. Achei e já perdi de novo, guardadas que foram num cantinho de meu quarto de guardados. Mas em agosto, depois da Flip, pretendo arrumar tudo aquilo e aí te chamo para vermos as fotos juntas, sim?
Depois converso (virtualmente, como sempre) com os leitores. Como a T.T. tem lido posts antigos e comentado, sou obrigada a revisitá-los. Então me surpreendo, acho que a qualidade das coisas que postava era melhor antigamente. Agora tenho sido tão banal… falo de mim e das pequenas misérias cotidianas, coisas absolutamente sem graça. Peço desculpas a todos. Minha intenção é melhorar. Depois de hoje tentarei voltar a ser um pouco mais interessante. Vou procurar comentar as coisas que alimentam meu espírito e não as banalidades que preenchem meus dias.
Posso dar um exemplo: comentar a foto da lua cheia, estampada no jornal de hoje. Será que podemos acreditar na foto? Será que a lua apareceu assim enorme, espetadinha nas cruzes do alto das torres da igreja da Penha? Há muitos anos atrás, quando ainda lia fotonovelas (uma forma de arte que infelizmente desapareceu), li que nas Bahamas a lua aparecia muito maior que em qualquer outro lugar do planeta, e por isso lá era o lugar ideal para se passar Lua de Mel. Eu, que achava que a lua era um satélite bem comportado, me admirei com isso. Seria possível? Passei a prestar mais atenção na Lua, que se apresenta de maneira diferente no hemisfério Norte. E que tem belezas insuspeitadas em certas épocas do ano. Nosso inverno, sem dúvida, nos proporciona noites mais belas que as de verão. No casamento da Luíza, em Santa Teresa, assistimos ao nascimento da Lua, saindo com trajes de ouro de dentro das águas da baía de Guanabara, como uma esponja que tivesse crescido de tamanho ao absorver um pouco do mar. Depois, imperceptivelmente, ela foi secando, ficando cada vez mais prateada e brilhante, subindo aos céus, mas deixando, generosa, um rastro luminoso que fazia do mar uma estrada de luz. Foi uma cerimônia linda, de ficar na memória de todos. Todos? Quem sabe? Ficou na minha memória, mas talvez eu tenha sido a única a guardar alguma lembrança da Lua naquele dia. Outros lembrarão do sapato apertado, outras, da dança com o namorado. Um lembrará do gosto do beijo da amada, outro, do gosto dos canapés. Talvez eu tenha sido a única a desviar meus olhos do casal que jurava amor eterno enquanto durasse, para ver a Lua que desfilava sua mutável beleza.
Porque somos assim, nossa memória é pessoal e intransferível. Converso com amigas que têm irmãos e irmãs e que me contam que as memórias deles são desiguais, conflitantes, até. Eu não tenho nada disso. Ninguém para corroborar ou corrigir meu passado. Pais mortos, avós mortos, só me sobraram as fotos. Algumas se repetem, insistentes. Cinco ou mais cópias do mesmo instantâneo ou da mesma pose que alguém achou por bem mandar fazer. Um álbum de fotografias que pretende organizar o passado em ordem cronológica, mas que se perde com as fotos soltas que, aos poucos, foram subvertendo aquela organização. Fotos quase apagadas e fotos retocadas, que modificam e endurecem sorrisos espontâneos, ou suavizam caras amarradas.
Não devemos confiar nas imagens, que nos enganam já que desejamos ser enganados por elas. A Lua que não vi em minha Lua de Mel estará sempre presente nas minhas recordações, prateando meu passado. A Lua equilibrada nas torres da Igreja da Penha talvez reapareça em alguma história que eu conte, pois, mesmo duvidando de sua autenticidade, a beleza da foto me faz ficar refletindo sobre ela.
Tudo vai depender da memória, e essa, como todo mundo sabe, é tão inconstante como a Lua.

5 comments:

Aninha Kita said...

Como desinteressante?
Nossa, descobri seus livros por indicação de "contos descritivos". Seja por menção aos contos de Machado ou pela descrição atenta como do mestre, encantei-me! Hoje me encanto cá com a lua, mesmo sendo meio-dia e eu presa a tela do computador num apto fechado.
Essas lindas incoerências da sociedade moderna, só podia encontrar tamanha poesia no blog de uma escritora, hein?
Domingo foi 'Dia Nacional do Escritor', parabéns!

Abraços!
Ana Kita

Unknown said...

Querida, que bom que retornou!Tenho passado aqui todos os dias para ver se tem post novo e aí me dirijo aos posts antigos (já estou em abril de 2007, mas vou devagarinho, saboreando, que nem quando se adia o final de um livro emocionante)no meu modo meio proustiano de acertar as contas com a vida, doce ilusão: o que fica, sempre, é aquela sensação de ficar devendo...Quanto ao convite, agradeço, e muito, e vou ter de dar um jeito de arrumar um pé de romã, logo, logo...Ah, a lua: às vezes as palavras não conseguem definir tudo, na tentativa hercúlea e humana de abraçar uma míriade de sentimentos e impressões e aí entram aqueles escritores que deixam uma página em branco para dar conta da impossibilidade de tudo comunicar com palavras.Minha primeira reação a isso, ainda na graduação, foi querer reclamar (e ainda nem tinha o Código do Consumidor)com o livreiro: "quero outro livro, esse está danificado!!!" Umas duas décadas mais tarde deparei com um trecho de Faulkner que em vez de usar letras usou linhas num desenho, o que causou o maior estranhamento. Querida, a lua será sempre sua, a sua lua, esteja ela dentro ou fora de você!Grande abraço, saudades, T.T.

Unknown said...

Olhe, já estou nos posts de maio de 2007. Vale a pena reler os seus comentários sobre Penélope em 22 de abril de 2007: a pena estava afiadíssima!!! Beijocas, T.T.

Unknown said...

Lucinha,
Depois de muito tempo (falta do dito cujo,filha doente, um pouco de desânimo), hoje resolvi ler o teu blog e me deparei com os teus comentários sobre a lua banhando a Igreja da Penha. A foto, belíssima, me encantou, me comoveu e me animou. Essa lua vale por todas as luas que me faltaram em momentos importantes em que ela deveria estar presente (a Lua de Mel foi um desses momentos), mas em compensação, quando Rafael, meu neto, começou a falar, uma das suas primeiras palavras foi "a iua" (ele não pronunciava o l) e até hoje quando vejo uma lua como a da foto, me lembro dele, olhos pretos, enormes, vendo a lua sobre o Pão de Açucar, e dizendo "A iua, vovó!" O teu comentário me trouxe paz.... muito obrigada, amiga.
Prescilla

Unknown said...

Querida, lendo esse post da sua amiga Prescilla fiquei aqui imaginando como seria estar ao lado de poetas tipo Emily Dickinson, Cora Coralina, Mario Quintana e ficar vendo essa lua da foto e ficar escutando os seus, deles (nisso a língua inglesa é imbatível) comentários. É mais ou menos isso quando visito os seus posts e capto a sua visão do mundo. Uma vez entrevistei a Eudora Welty e ela me fez olhar para algumas coisas da vida cotidiana de forma diferente, e amei. Até porque eu tenho uma tendência romântica que me impede, às vezes, e graças a Deus, de ver o lado mais problemático da realidade. Beijinhos, T.T. (amei o seu post da viagem para ver os pinguins!!! Você já escalou o Everest??? E nem precisa, não é? Escalar o coração do homem já é uma bela e árdua tarefa...).