Fui criada cultuando o passado. Em minha casa valorizávamos o tapete velho, o lustre antigo a poltrona usada. Aquele tinha sido o tinteiro do bisavô. Este era o castiçal da vovó. Minha casa parecia e ainda parece um museu, não de coisas valiosas, mas de pequenos objetos que talvez ainda guardem um pouco dos desaparecidos. Quando viemos para o Brasil, absolutamente sem dinheiro, "herdamos" os móveis velhos de tios e amigos. Não sei como conseguimos dar uma aparência de casa bonitinha e decorada com tantos retalhos díspares. O sofá de veludo vermelho gasto que herdamos de minha mãe milagrosamente combinava com as poltronas amarelas de com braços puídos, que ganhei da madrinha. Para disfarçar os buracos, fiz capinhas de crochê, com barbante, já que era o material mais barato. Essa era eu. Mas o Gui era apaixonado pela novidade. Ele estava sempre antenado com maquininhas, objetos que eu encarava com absoluta indiferença, enquanto ele se extasiava com sua modernidade. Aos poucos fui me convertendo: passei a apreciar, mesmo sem entender e sem me esforçar para aprender a usar todo o potencial das novas aparelhagens de som, dos controles remotos que controlavam tudo, menos minha capacidade de usá-los, até por que, quando eu finalmente conseguia dominar uma novidade, esta já havia se tornado obsoleta e estava na hora de trocá-la. Passei a achar muito natural trocarmos um computador que me parecia absolutamente maravilhoso, por um outro que me parecia hostil, mas que me garantiam ser muito melhor. Agora, sozinha, tendo que administrar as novidades, percebo que elas são efêmeras por natureza. A fechadura é o máximo, mas tem vida breve, assim como o telefone celular pelo qual tenho um verdadeiro encantamento, mas que me tenta com mais uma novidade que só posso obter se trocá-lo por um modelo mais moderno.
E cá estou eu às voltas com o Kindle (que já troquei duas vezes), com a TV, com o DVD, as máquinas que perdem seus fios e se tornam inúteis tão rapidamente.
E olho meu retrato, sendo abraçada pelo Guilherme e percebo que sou supérflua, sou quase imaterial nesta foto, que tanto me agrada. A solidez do Gui, de seu braço me envolvendo, de sua mão que parece segurar uma quimera, é isso que se destaca nesta foto, além dos sorrisos absolutamente felizes.
Essa é minha descoberta nesta manhã de outono. Minha fluidez. Não tenho "substância", por isso me apeguei a coisas do passado e depois me fascinei por modernidades. Mas, eu, mesma, qual seria a minha preferência? Agora, sozinha, o que escolheria? Acho que minha única escolha própria são os livros. Nem sequer os livros em si, mas as histórias contidas nestes livros. As quimeras.
1 comment:
Impresionante como voce consegue transformar sua realidade na verdade de muitos. Creio que é natural do brasileiro se apegar as coisas do passado quando nao pelo proprio passado.
Um dia todos passaremos pelo mesmo. As recordacoes que nos seguem pela vida. A sua escolha nao poderia ser melhor, "os livros e seus textos maravilhosos".
Obrigado!
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