Monday, June 29, 2009

A morte e o sonho

Uma coisa assim, repentina, e minha dor aparece fingindo que é para um alguém que nem conheço. E eu rememoro uma fase da vida que me pareceu tão agitada, espremo uma lágrima que quer escorrer no cantinho do olho esquerdo, do coração. Pegue essa bandida!, ordeno à minha mão. Rápido, antes que ela escorra! E, obedecida, mantenho meu ar de indiferente doçura perante a agitação da turba. Sinto inveja. De quê? Talvez dos aplausos, ao se fechar a cortina…
E eis que outra morte, e mais outra, dão o tom melancólico ao fim de semana. Morre o festejado cantor, a bela atriz e o corajoso jurista. Arte e inteligência parecem não ter vez nesse mundo. Falam muito do cantor: uma figura estranha. Falam pouco da atriz, já quase esquecida, bela e imitada em sua glória, depois, em seu sofrimento, amada por quem uma vez tinha sido seu parceiro. Morre o jurista e esse, que devia ser tão celebrado e comentado, a quem se deve, no país, um exemplo de cidadania, fica quase que limitado a uns poucos comentários, quase sem imagens. Um morto sem séquito para mostrar na TV. Talvez o povo esteja lá, talvez tenha acorrido, agradecido pela carta que um dia recebeu, querendo retribuir seu interesse. Mas as equipes de TV, essas, embarcaram para Los Angeles e estão entrevistando a torto e a direito umas figuras que agora possuem o prestígio da proximidade. Alguém que um dia apertou a mão do cantor. Outro que tocou tambor a seu lado. A cozinheira que preparava pratos vegetarianos há mais de 20 anos. A babá, despedida, que denuncia defeitos. A família, implacável, que deseja os despojos. A mãe dos filhos, a ex-mulher, o ex-médico, a enfermeira.
Ninguém abriu espaço para o documentário dos últimos dias da atriz cancerosa.  Ninguém quer saber do conteúdo da carta aos brasileiros. Queremos glitter. Dança. Morte misteriosa e declarações bombásticas que nos façam esquecer as vergonhas intestinas do país. Para ajudar, bons jogos de basquete, conquista do ambicionado título de futebol numa batalha árdua que nem parecia estar sendo travada contra os EUA, mas contra a incompetência do próprio time.  Vuvuzelas impiedosas nos impedindo de pensar, de sentir outra coisa que não seja a insensibilidade dos remédios para a dor de viver.
Mas a morte é assunto que os vivos não esgotam. Viver e morrer, já ensinava o filósofo, são coisas que se excluem. Será? Mas não vou discutir isso agora, pois me dedico a satisfazer o pedido do amigo Guilherme Ramos, em seu blog Prosopoética. Ele quer saber de meus sonhos, oito deles. Ah, Guilherme, se você soubesse o quanto procuro sonhar, sem conseguir… Mas não vou ser freudiana, e vou ficar com os sonhos na acepção de "desejo", aquilo que os americanos chamam de daydreaming, e nisso até que sou boa. Todos os dias sonho alguma coisa, olhando para o mar, sonho alguma coisa, lendo os livros do Mia Couto, sonho alguma coisa, e por aí vai.
O que mais queria era o meu amor de volta, mas isso não vale, então vamos aos sonhos possíveis (sem prioridades, apenas à medida que vão surgindo em minha imaginação):
1 Sonho em ser uma escritora de sucesso: e aí me questiono – sucesso significa o que? Muitas vendas? Entrevistas nos jornais? Reconhecimento nas universidades? Teses publicadas a cerca de minha obra? Acho que o sucesso que desejo é mais humildezinho – um tratamento mais deferente por parte da minha Editora, que deixa meus imeios sem resposta, que nem se lembra de fazer uma propagandazinha de meus livros, nem de organizar um ciclo de palestras para divulgar os autores nacionais sem "exposição midiática".
2 Sonho em poder me sustentar com o produto de meu trabalho: meus livros e minhas palestras e aulas.
3 Sonho em viajar pelo mundo (e isso até que faço), só que voando em primeira classe, para não chegar nos lugares tão desoladamente desconfortável e cansada. 
4 Sonho em ser professora visitante na Sorbonne. Queria ter a chance de viver por uns tempos em Paris, transformando essa cidade numa paisagem interna, quase que orgânica. Paris é a cidade mais lógica que conheço, cartesiana, apesar de que essa lógica se impõe sobre uma cidade viva, que se modifica e se rebela. Numa das vezes em que estava na cidade, surpreendi uma noite em que o trânsito parou nas redondezas do meu "feudo" (entre o Jardim de Luxembourg e a Université) e as ruas foram invadidas pelas bicicletas, que foram, aos milhares, percorrendo os caminhos cinzentos com suas cores e suas campainhas alegres, numa espécie de festa. E o caos não se instaurou na cidade, como aconteceria aqui se tivessem feito uma festa dessas num final de dia de semana.
5 Sonho em ser magra e flexível, um corpo adolescente que não reclame das canseiras a que possa obrigá-lo.
6 Sonho em ter uma mente ágil e criativa, sempre disposta a aprender e a assimilar novidades.
7 Sonho em abraçar o mundo, oferecer paz e conforto a todos a quem eu possa encontrar.
8 Sonho em romper o casulo de minha solidão.
Aí está, Guilherme. E, de bônus, mais um sonho: mergulhar nas águas das praias azul-esverdeadas de Alagoas, e deixar-me dissolver de prazer!

3 comments:

Guilherme said...

Amiga,

Já dizia Shakespeare, em sua tempestade: “(...) a vida é feita da matéria dos sonhos, da tênue matéria dos sonhos”.

Enfim: vivamos, compartilhemos o que temos de bom. E isso bem que podia ser os nossos sonhos...

As ondas verde-azuladas de MARceió mandam lembranças... E não vêem a hora de abraçá-la mais uma vez.

Beijos saudosos,

Guilherme.

André de Leones said...

Amém, mana. Amém.

Ana Cristina Melo said...

Que os anjinhos digam amém aos seus belos sonhos!