Friday, June 12, 2009

Espaço aberto - Literatura

Acabo de me assistir na TV – Que experiência mais estranha! O que valeu é que o programa ficou mesmo muito legal, com uma edição onde os textos de Borges, com a leitura do sempre grande Othon Bastos (meu eterno Paulo Honório, do filme São Bernardo) e as imagens do autor tão bem escolhidas, valorizaram os comentários que fizemos a respeito de seus textos. Fico pensando em como a TV é impactante: falamos de Borges e, como por um milagre, ele apareceu ali entre nossas falas, corroborou o que dissemos, dialogou conosco. O que eu gostaria é saber que alguém, por virtude de assistir esse programa, se sinta tentado a ler algum conto de Borges, algum de seus poemas, ou ler suas entrevistas, sempre tão finamente irônicas e inteligentes. Ou ler seus ensaios, cuja concisão nos deixa enganosamente levados a pensar que são textos simples, fáceis de preparar. Me lembro de uma aula que tive em Yale, com a professora Shoshana Felman. Era um Faculty Seminar, o que quer dizer que era aula para professores, e era uma grande honra para mim ter permissão de assistir as sessões com chefes de departamento, juízes da Suprema Corte, e especialistas nas diversas áreas que tinham a ver com a pesquisa dela na época, que era a questão de testemunhar (witnessing) e de prestar testemunho (testimony), em situações ligadas ao Trauma. A cada semana tínhamos uma leitura prévia, que preparávamos e debatíamos em sala de aula. Os textos podiam ser capítulos ou livros inteiros. No caso em questão, a leitura era apenas um conto de Borges. El testigo. Apenas uma página. Nem sequer uma página completa, dois parágrafos, quase nada. Negligenciamos a leitura. Lemos,é verdade, mas fizemos uma leitura rápida, lemos sem nos deter. Nenhum de nós preparou o texto com a devida atenção. Em menos de dois minutos ela percebeu que não tínhamos dado ao texto o mesmo cuidado que havíamos dado a outros que, pela extensão, nos pareciam muito mais complexos. Ela foi de um a um, e todos foram se calando. E ela, como Júpiter, revelou-se em toda sua ira, mostrou que tínhamos sido omissos e preconceituosos e que, com isso, tínhamos perdido a chance de ter uma aula brilhante (como eram todas as aulas dela, extraordinárias!) Até hoje, pelo menos uma vez por ano releio El testigo. É uma lição de humildade que me dou. Leio como penitência, procurando sozinha o que poderia ter encontrado através da experiência de um grupo tão especial como aquele. E penso no privilégio que tive de, por uns poucos anos, conviver com pessoas que realmente fazem a diferença na maneira em que podemos compreender o mundo. E, cada vez que leio aqueles dois parágrafos, percebo a lição extraordinária do valor de cada um de nós. Todo o sentido da vida parece estar contido naquele pequeno texto.

2 comments:

Ana Cristina Melo said...

Querida,
realmente o programa ficou muito bonito. Sei que não conto para ser um número que atenda sua esperança em despertar leitores de Borges, até porque eu já li muitos textos dele. Mas se lhe adiantar, fiquei com vontade de ler mais contos, reler outros.
E já começou com seu post. O conto que você falou é "A testemunha" de "A rosa profunda"? Fui correndo em minha estante e reli esse texto. É realmente muito bonito, mas com suas palavras em minha mente, percebi que preciso relê-lo dando a devida importância que merece.
Para seus leitores, um que sempre me recordo dele, pois acho maravilhoso é "O outro" de "O livro de areia".
Beijos
Ana Cristina

Guilherme said...

Acabo de presentear você com um "SELO"!

Passa lá no blog "prosopoética" e leve-o para seu blog!

Abração!

Guilherme
http://prosopoetica.blogspot.com