E agora? Com a reforma ortográfica, como irei escrever coco? Suponho que nossos gramáticos ou acadêmicos anseiem por aproximar nosso idioma do inglês. Talvez eles acreditem que não progredimos no uso da língua por nos encontrarmos assoberbados com os acentos: é muito "chapeuzinho de chinês", muita "chuvinha", muita "varinha de condão", muito "bigodinho" para ensinar... Vou sentir falta de alguns acentos. Tenho certeza de que minhas idéias ficarão menos luminosas sem o acento que abria o timbre do "e", e que meus vôos ficarão menos seguros sem o para quedas (com acento? sem acento? com hífen?) que, precavida, carregava ao escrevê-los.
Por conta desta reforma ortográfica (com acento? sem acento?) deixei de ter companhia para o almoço hoje. Minha editora tem que reprogramar toda a produção, além de preparar-se para concorrer com editais, sempre apressados. Mas, enquanto a bela Ana Paula sofre, a igualmente bela Isa Pessoa se diverte, almoçando com o Lázaro Ramos. E eu nem sabia que ele era escritor! Aconteceu que, tendo desmarcado o almoço, resolvi me consolar na livraria aqui perto, e lá estavam eles conversando. Tentei não prestar atenção na conversa dos outros, menina bem-educada que sou, mas o Lázaro tem aquela voz de ator que se propaga e vai invadindo a mente dos outros, principalmente a de quem se esforça para ler Benjamin falando sobre Kafka. Aproveitei a primeira distração e embarquei na história que ele contava, sobre uma vila chamada Pati (acho eu) onde os pais dele nasceram. Fiquei sabendo que só se chega lá de canoa, e que as pessoas dependem da boa vontade dos habitantes, pois as canoas não são um serviço público. Se ninguém está a fim de desamarrar sua embarcação e fazer a travessia, a alternativa é nadar. Apesar das dificuldades, o prefeito está construindo um cinema, com um quartinho para hospedar algum escritor que se disponha a ir até lá para dar uma palestra. Como não sei nadar, estava pensando em pegar uma bóia e ir me oferecer para ocupar a acomodação quando a terceira pessoa no grupo, que não sei quem é, perguntou, horrorizada, se não era perigoso, se não havia piranhas na água. Pacientíssimo, ele explicou que só havia caranguejos. E eu fiquei calada, pensando que o caranguejo podia dar uma pinçada na minha possível bóia e eu ficaria na mão. Melhor continuar na segurança de minha cadeirinha, escutando o resto da história. Descobri , então, o que qualquer leitor de revistas Amiga e Caras já deve saber: que o Lázaro escreve contos e que dirige filmes. E ele, generoso e descuidado, contou a história do conto que está filmando. Não precisei enviar meu sorriso de aprovação já que a primeira e a terceira Pessoa fartamente gabaram a história, imaginaram a posição do texto no livro, decidiram todos os detalhes relevantes. Mas o que eu gostei mesmo de saber, e faço questão de contar para todos, foi a iniciativa que este ator, brilhante que é, tomou, e que só eu, que não leio Caras nem Amiga, ainda não sabia: Ele tem um projeto de criar bibliotecas em áreas carentes. Usa o cachê de alguns trabalhos para isso -- comprar livros e estantes e pagar uma graninha para a prima catalogar e organizar os volumes. Parabéns Lázaro Ramos. Muito legal, isso. Desculpe ter ficado escutando sua conversa, mas foi impossível não ouvir. E prometo que não conto para ninguém a história da velhinha que decide voltar à cidade natal. Pelo contrário, não conto e ainda recomendo que comprem o livro do Lázaro, que vai sair pela Objetiva. E que assistam o filme, é claro!
2 comments:
Eita. Também adoro ouvir conversa dos outros, rs.
Imagine! Lázaro Ramos falando e você não escutar. Não se desculpe, conte mais para nós que não temos a mesma sorte. Bijú
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