Hoje é o dia da mentira, e vou inventar algumas, viver outras, escutar, reproduzir, emendar...como faço todos os dias do ano. Nossas vidas estão permeadas pelas mentiras, umas mentirinhas suaves, que alcolchoam nossas palavras mais rudes, nossos sentimentos mais mesquinhos. No entanto, me considero uma pessoa sincera. Sou sincera na minha paixão por literatura, sincera nas minhas amizades, sincera nos meus desencantos. Sou medrosa, tenho muito receio de me ferir, não fisicamente, receio ferir sentimentos e ter os meus dilacerados. Fico, então, me protegendo atrás de silêncios, de ausências, de palavras caladas. Muitas vezes estou desesperada, sangrando por dentro, mas faço uma carinha risonha, um sorrisinho simpático e vou à luta, pois sei que nada cansa mais aos outros do que a infelicidade estampada nos rostos dos outros. Deixo esse meu eu ferido emboladinho debaixo da cama, numa trouxinha, num lugar bem escuro e seguro. Para a rua vai a mulher capaz de rir de si mesma, que não reclama das desatenções, que é divertida e não exige nada de ninguém. Só me assusto quando vou olhar aquele embrulhinho debaixo da cama e percebo que está crescendo...
Outro dia disse a um amigo que ele não devia confiar em ninguém com mais de trinta anos (alguém lembra da música?) principalmente se for, como eu, ficcionista. Acho que ele me levou a sério, mesmo eu tendo dito que não confiasse ... ah, essa minha literatura!
Deixo vocês aqui com a dúvida: o que há de verdade no que digo? O que há de verdade no que escutamos? Em quem confiar num mundo sem certezas?
Estamos começando o Quixote, em meu grupo das segundas -- um grande prazer. Este livro que tem dado de beber a tantos leitores, que espanta ainda hoje pela inteligência de sua ambigüidade. Adoro essa armação para a narrativa, a desautoria, e o igualar leitura com loucura. Todo leitor é um Quixote, pois o cavaleiro da Triste Figura é, antes de mais nada, um leitor.
Termino com uma frase de Dostoievski:
"Em Dom Quixote a verdade é salva por uma mentira."
Faz pensar, né?
3 comments:
Lucia,
adorei a citação de Dostoiewski (nem sei se é assim mesmo que escrevo o nome dele...)
Não tenho nehuma simpatia por ele. É um mundo cinzento, de culpas e loucura, muita loucura. Este, prefiro deixar debaixo da cama (usando a sua metáfora). Minha escolha é pelo Sol da Itália, pela energia de Stendhal, por exemplo. Quem olha muito para dentro do poço (ou para as proprias feridas), acaba sendo engolido por ele.Eu faço de conta que o poço não existe porque se penso nele - ainda que seja um pouco - sei que me jogarei dentro dele.
Bacci, Eugenia
Lúcia, e hoje é meu aniversário! Não é mentira!
Beijos
Vé
Mentir é uma dos mais grandiosos( e deliciosos) feitos da espécie humana. Animais não mentem. Eles simplesmente correm atrás da presa que, invariavelmente, é bicho de outra espécie. Enquanto entre nós... Utilizamos truques para enganar ao próprio semelhante. Me refiro à capacidade de criar alguma coisa, uma palavra, uma forma, uma ilusão que nos sobrepassa e, enquanto dure, ela se torna verdadeira, quero dizer, real. Daí tratamos de ludibriar ao outro e tirar proveito da situação. Não sei se além de Pinóquio existe mais outro personagem mentiroso na ficção. Na pintura a mentira é realizada com a perspectiva, pela qual "não vemos" a real bidimensionalidade da tela ou da parede. A Natureza não mente, enquanto nós, seres inaturais, sempre precisamos mentir para viver a pleniturde de nossa existência e do nosso destino em nosso Planeta. Evidentemente vai um longo caminho desde a primeira armadilha disfarçada no mato, ou do primeiro roubo na história, até a ilusão de tridimensionalidade feita durante o Renascimento. Sem mentir não teríamos sobrevivido como espécie e tampouco haveríamos marcado nossa passagem no tempo.
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