Passei a manhã organizando os arquivos de meu novo livro, Linha de sombra. No meio do caminho, baguncei tudo, mas um filho, o mais novo, veio me socorrer. Agora tenho um arquivo direitinho, não preciso mais imprimir texto por texto.
Agora, então, posso me dedicar a comentar mais quadros do ballet de Roland Petit. Vamos aos três últimos quadros do primeiro ato do ballet.
Quinto quadro - As raparigas em flor. Ao fundo uma paisagem marinha, de cores impressionistas. As bailarinas, jovens vestidas de branco, dançam nesta praia encantada demonstrando sua juventude e seus sonhos. Em alguns momentos, elas se juntam, e, com suas saias enfunadas, figuram barcos partindo para horizontes de sonho. A música, apropriadamente, é La mer, de Debussy.
No sexto quadro, as meninas saem e deixam apenas duas em cena, Albertine e Andrée. Sob o título "a prisão das dúvidas" as duas dançam ao som de Syrinx pour flûte seule e deixam no ar uma tensão voluptuosa, que não chega a se desenvolver plenamente, mas que persiste, como um eco distante.
O último quadro do primeiro ato é uma obra prima.A cena se inicia toda negra, apenas com uma enorme cortina de seda branca à esquerda, derramando-se sobre o que parece ser um leito, onde dorme Albertine. No quarto, um jovem Proust, de colete, a admira. Ela acorda e a dança vai se tornando um ballet cada vez mais sufocante para a bailarina, que tem seus movimentos tolhidos e cortados pelo parceiro até que ela, cada vez mais apática, se enrijece, como uma morta. O bailarino, ternamente, deposita-a com cuidado sobre a cama cenográfica, que se revela um alçapão. A bailarina some e a cortina, que parecia um facho de luz sobre o leito, se desprende e cai como uma nuvem que se desfaz pelo efeito do vento. Foi tão lindo o efeito que toda a platéia gritava emocionada: Bravo! As palmas soaram como os trovões repentinos de uma chuva de verão.
Ah, que lindo! O mais triste foi não ter com quem compartilhar minha emoção, já disse isso. Ensaiei duas palavras com a vizinha do lado, e me calei, sem saber mais o que dizer. Examinei todos os detalhes do teatro -- o teto pintado por Chagall; as inúmeras esculturas em talhas douradas - o que seriam? anjos? violinos? partituras?; o fechamento do palco por um painel imitando uma cortina desalinhada; os lustres de cristal; as cadeiras forradas e confortáveis, que não rangem e se colocam a uma distância confortável umas das outras. Examinei também os camarotes. Qual seria o da duqueza? Em que cadeira o autor se teria sentado para sonhar as apresentações da Berma?
Olhei em volta, as pessoas retornavam a seus lugares e todas estavam bem-vestidas, elegantes, e em seus rostos havia uma espécie de luz despertada pelo prazer do espetáculo.
Em outro post conto do segundo ato. Assim podemos todos respirar e refletir.
1 comment:
Li todos esses posts e estavam ótimos, suscitando o prazer da leitura!
Beijocas, T.T.
Post a Comment