Friday, October 03, 2014

Prêmios

Voltando a falar de sobrevivência, que, na verdade, devia se chamar subvivência, fui desenvolvendo pequenas estratégias para tornar o que chamo de vida um pouco mais suportável. Hoje, conversando com um amigo distante, fiquei lembrando da sensação que me invade quando dou uma boa aula, ou palestra. Saboreio aquilo mas me entristeço quando acaba e tenho que voltar para a casa, ou o quarto de hotel, onde ninguém me espera.  Só o espelho como testemunha do meu brilho nos olhos, do sorriso que aflora junto da lembrança de algum detalhe mais agradável. Compartilhar sempre esteve no meu vocabulário, mas não esse compartilhamento estéril por vias eletrônicas, e sim feito de gestos, de olhares trocados, de dancinhas, de palavras doces de escutar e de dizer, cheias de orgulho.
Como não tenho nada disso, resolvi que, a cada coisa profissionalmente boa e gratificante, me dou um presente. Em Londres, depois de minha palestra no Kings College, me dei de presente a exposição de Matisse. Ficarei para sempre com uma emoção associada à outra, com isso conto não esquecer nem uma coisa nem outra. Porque um dos piores efeitos desta subvivência é o esquecimento: como ninguém mais está a par do que se faz, caso esqueçamos, perdemos aquilo para sempre.
Então tenho esse método: para cada palestra ou aula que dou, quando fico satisfeita com o resultado, faço também algum programa bacana: vou a uma exposição, ou concerto, ou teatro ou ballet. Quando é uma atividade remunerada, então me compro um presente com o dinheiro. Nada de mirabolante, mas uma lembrança, alguma coisa que, ao olhá-la, me faça lembrar do local onde trabalhei e recebi por este trabalho. A primeira vez que fiz isso foi na Espanha. Estive na Galícia e na Catalunha. Na Galícia, recebi pelas palestras que dei e  me dei um lindo presente. Na Catalunha, o querido Pere, sem querer, iniciou o meu ritual de compensações, me levando para visitar as obras de Gaudí.
Vez por outra a gente tem uma surpresa legal, mas são meio raras. Encontra, por exemplo, um ex-aluno que lhe diz que foi estudar literatura por sua causa. Ou sabe que uma ex-professora diz que você foi uma das melhores alunas que teve. Nosso peito infla, ficamos felizes, e percebemos que, ao fim e ao cabo, nossas marolinhas nos mares literários talvez tenham sido ondas boas de surfar, no final das contas.

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