Monday, October 13, 2014

Névoas do passado

Ontem o domingo amanheceu enevoado, as pessoas comentando que tinham acordado em Londres.  Não pensei em nada, meus olhos estavam ocupados olhando as ruas cheias de abrigos improvisados, onde dormiam crianças, adolescentes, adultos, velhos. Era como se tivesse voltado no tempo: 1992, 93. Voltei ao Brasil para encontrar as ruas de Copacabana assim, ocupadas por famílias inteiras. As vias muito sujas, cheirando mal, e as pessoas se dividindo entre aqueles que davam esmolas e os que responsabilizavam os generosos pela proliferação de miseráveis. Agora que estou aqui escrevendo, lembro de minha juventude, quando meus amigos apaixonadamente politizados abominavam a prática, então comum, da caridade. Só assim levaríamos os miseráveis a tomar consciência e os levaríamos à revolução. Comecei, nesta época, a viver em dois tempos, pensando em termos racionais e esquerdistas e sentindo com um coração cristão de direita. Direita?! Mas...
Desisti de entender, afinal, era um tempo de descobertas e eu mudava como o tempo mudava. Naquela época, um dia que amanhecia ensolarado podia terminar em tempestade, e dar origem a uma noite de estrelas lavadas, brilhando muito, despreocupadas com as nossas ações. Assim era eu, descobrindo ora a literatura, ora a arte de amar, e, muito em breve as responsabilidades da vida de casada.
Hoje, a reportagem volta a mostrar o nevoeiro de ontem e volto a um passado ainda mais distante: tardes de névoa quando ouvíamos os apitos longos e angustiados de navios invisíveis... Meu coração se apertava, o som me entristecia e me deixava melancólica, sem nem conhecer a palavra. Sentada num banco da praia com meu avô, ou na varanda de casa, com vovó, perguntava sempre a razão daqueles longos e graves lamentos e me preocupava com a segurança daquelas pessoas embarcadas, vivendo num mundo sem contornos, apagado.
Talvez essa angústia tivesse origem numa viagem de carro, voltando de Caxambu, quando o nevoeiro desceu na serra e, com medo de que algo nos acontecesse, meu avô desceu a pé, ao lado do automóvel, para ter certeza de que estávamos na estrada e não tomaríamos um desvio que nos fizesse despencar pela ribanceira...
Hoje já não tenho quem tente me proteger. Estou sozinha na névoa, mas não tenho medo, nem mesmo angústia. Olho as nuvens baixas e me lembro da manhã, mágica, quando, saindo de casa, vi os cervos pulando da névoa para o meio da rua, o líder com uma grande galhada enfeitada por uma guirlanda de trepadeiras. São três as cenas de contos de fada que entesouro: essa dos cervos, a da floresta de cristal, numa estrada no interior de Vermont, e a revoada dos pássaros sobre a I-95, que cobriu o céu e me deu a impressão de estar no fundo do mar. As névoas do passado me encantam. As de hoje, me revelam um mundo muito mais dilapidado.

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