Thursday, November 14, 2013

Feliz aniversário! No caminho de Swann completa 100 anos.

E eis que a Recherche chega aos 100 anos de publicação!
Parabéns, Proust, por ter realizado uma obra tão duradoura, que ainda emociona a leitores vivendo no século XXI.
Declaro meu amor aos quatro ventos – ao menos a dois ventos virtuais, o Facebook e este meu blog. Explico minhas razões: sinto-me retratada e amada na obra. E imagino mudar-me para dentro do romance, numa ida a Pasárgada. Depois, com bom senso, me questiono: seria eu amiga do Rei, na Recherche? Com qual personagem eu poderia me identificar?
Com nenhuma duquesa, pois sem dúvida não tenho este prestígio social. O brilho com que ele retrata suas duas principais divas (a duquesa e a princesa de Guermantes) não pertence a elas, no entanto. São dois astros fulgurantes, mas sem luz própria: o nascimento, a fortuna, o esnobismo próprio e de seus contemporâneos transformam-nas em jóias dos salões.  A duquesa ainda tem "esprit", uma inteligência vivaz e pronta, que a faz parecer uma mulher superior. Pouco a pouco descobrimos a precariedade de sua vida particular: a infelicidade no casamento, sua maldade e egoísmo, sua superficialidade. E o vazio de seus ditos mordazes. E o tempo não tem piedade com ela, vencendo-a.
Nem sequer a irmã de Legrandin,  enobrecida pelo casamento, mas depois se descobrindo uma nulidade no mundo que julgava ter conquistado. Ela sofre, casada com um homem medíocre cujo único valor é seu título de nobreza provinciana. Sua cultura musical, que ela acha profunda, não passa de um verniz, pois não se baseia no amor à música em si, como o de sua sogra antiquada, babona e deselegante, ex-aluna de Chopin. Mme. Cambremer-Legrandin definha e luta para obter um prestígio que está sempre além de seus esforços.
Proust não tem piedade com quem tem alguma sensibilidade e pendor artístico, mas se descaminha e se deixa levar pela vida social, embora os compreenda e, na maioria dos casos, lamente.
Mme. Verdurin, inteligente e riquíssima, faz da arte um instrumento de ascensão social, pecado que vai ser punido pela mordacidade com que o narrador a descreve. Ele revela todas as suas estratégias, desmascara suas intenções, mostra as garras que ela não hesita em usar contra quem a fere. No entanto, ela sabe se "fazer" no mundo social. E genuinamente apoia as artes, embora seu interesse seja pela criação e não pelos criadores de arte, a não ser que estes se "escravizem" e a "bajulem", e nunca desertem seus salões. Talvez por isso ela seja "premiada", ao final, no baile de máscaras, a que ela usa é a desejada, mas é ainda uma máscara.
As amadas do narrador não combinariam comigo: Gilberte, renegando o próprio pai e Albertine, ambígua demais, fantasiosa demais, sem uma família, sem uma classe definida, e um joguete nas mãos de um namorado neurótico e, sem dúvida, mais preocupado em impedi-la de amar a outrem do que em fazer amor com ela.
A mãe e a avó, e Celeste, a empregada de toda a vida são as figuras mais espiritualmente nobres da obra. A mãe e avó com seu altruísmo exacerbado estão muito além de minha capacidade. Já Celeste… talvez seja ela a figura mais bem construída de toda a obra. Adoro a Celeste. Detesto a Celeste. Seus lados bons e maus se equivalem, se alternam, convivem sem contradição e ela consegue se impor mesmo estando numa posição das mais subalternas e frequentando a obra quase que em todos as situações. Ela, tão verdadeira, é, ao mesmo tempo, quase que uma alegoria do "povo francês"
Odette? Grande personagem, seja como cocotte seja como grande dama, a gente se liga a ela e à sua beleza atemporal, e não sabe ficar sem ela, mesmo não sendo "nosso tipo".
Charlus? Swann? Saint Loup? Quando li o romance pela primeira vez, na minha juventude, fui me apaixonando por um e por outro, sucessivamente me decepcionando e fazendo, depois, as pazes numa amizade eterna e doce. O único a envelhecer é Charlus. Os outros dois morrem cedo e são, de certa maneira, poupados de sua inconsequência com relação às artes. Pois essa é a única falha que nunca é perdoada: trair o talento artístico.
Mesmo assim, Morel, que nunca trai seu talento como violinista, é mostrado como um canalha. Em todos os outros personagens suas imperfeições impedem que eles sejam resgatados pela arte. Em Morel, que triunfa pela arte, o autor despeja, sem piedade, seu desprezo por alguém mesquinho e, mais do que isso, mau. Como se nos alertasse de que a arte em si, sem o compromisso com algum tipo de ética, não salva ninguém.
Acho que eu gostaria de ser o narrador. Queria criar uma obra assim, ao meu redor, como um casulo, e deixar de ser esta lagarta que sou. Ao menos na minha "procura" eu teria as asas de borboleta que a vida me negou.

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