Sunday, August 25, 2013

Volto aos nomes

Os franceses têm uma capacidade de nomear que me causa admiração e inveja. Vejam o caso das celas de prisão que conhecemos como solitárias. Sim, é verdade que são perfeitamente bem nomeadas em português, mas estão nomeadas do ponto de vista do prisioneiro. Elas exacerbam o sentimento de solidão que o preso deve sentir, mas não dizem nada sobre o sentimento do encarcerador. O poderoso, no caso, é esquecido e o prisioneiro triunfa como nomeador. Mas vejam o caso de oubliette. Trata-se da mesma cela, mas a palavra adquire relevância não apenas para o o encarcerado, mas também para quem manda o infeliz para lá. Um infeliz que se torna bem mais infeliz, com a certeza de que será esquecido. Enquanto que o nome da cela já vai produzindo um alívio e uma sensação de vitória naquele que manda prender. Oublier quer dizer esquecer. No caso, iria mais longe e diria que quer dizer obliterar. Então, quando pronunciamos a palavra, não somos obrigados, como em português, a experimentar um pouquinho da angústia do prisioneiro. Sentimentais, tomamos o partido do mais fraco. Na França, falamos do ponto de vista do dominante, mas nem por isso esquecemos do dominado. Sutilezas que só eu percebo? Bem, minha vida é revirar palavras, em busca de brilhos inesperados que revelem seu valor…
Querem mais um exemplo? Existe uma palavra bem feia em português: orgasmo. Tem uma sonoridade estranha, quase um engasgo, e acaba ressaltando o lado físico masculino do ato, aquela onda que vem lá de dentro e chega a superfície com o jato que nos livra de uma sensação que julgamos já não poder mais suportar. Na França eles preferem usar uma metáfora: la petite mort (bem, falo a partir de leituras, não tenho nenhuma vivência amorosa nem sexual na França, pode ser que tenham abandonado o termo). Vejam com que delicadeza a metáfora serve aos dois participantes da relação, e com que facilidade pode servir a ambos os sexos e a múltiplos parceiros. Uma pequena morte que se experimenta quando nos sentimos perdendo nossos limites individuais e pulsamos num corpo que não é o nosso, mas tornou-se, por um instante todo o universo. E serve também aos atos tristonhos, pouco satisfatórios, pois não se trata, no caso destes, de uma pequena morte de nossa autoestima? Mas serve apenas ao lado físico que nos exaure e deixa vencidos, mortos ofegantes que, no paraíso das sensações, anseiam voltar ao inferno das paixões o quanto antes…
É verdade, divago. Talvez o melhor seja procurar a extraordinária ária da morte de Isolda, a mais perfeita descrição de uma petite mort que conheço. Acompanhar a escalada de sons e emoções, chegar ao que julgamos ser o cume e descobrir que ainda é possível ir mais além e sentir nosso coração abranger o mundo todo, todos os mistérios, conhecer todos os segredos e voltar, numa espiral suave e descendente até nossa condição humana e desmoronar por não conseguir entender como fomos tão longe e continuamos os mesmos…
Bom domingo. Ou dimanche, mais suave de falar, quase um balouço de rede.

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