Saturday, August 24, 2013

Espelho meu

Olho a foto de um ator no jornal e não posso deixar de lamentá-lo. Por que desfigurar-se desta forma? Preenchimentos, creio que é este o nome da técnica, que alguns chamam de botox, que vai apagando traços e linhas e, em seu lugar, vai deixando almofadinhas de diversos feitios. Umas compridinhas feito lagartas, outras parecendo chumaços de algodão. O rosto fica parecendo uma estrada malcuidada, causa  estranhamento a todos que o veem, menos à própria pessoa, que olha-se no espelho e (talvez por conta da vista cansada, ou de uma incipiente catarata) vê um rosto jovem e liso. Ou talvez repare em alguma imperfeição e corra de volta ao médico para mais uma injeção, mais um procedimento.
Como avisar a uma amiga que ela está se desfigurando? Ou mesmo um amigo, pois mais e mais homens estão recorrendo à prática. A primeira vez que vi uma pessoa com esse tipo de rosto "rocky road" foi numa festa de granfinérrimos. A dona da casa era uma dessas lendas das colunas sociais, tinha sido bonita e era riquíssima. A festa era para comemorar mais alguns milhões de dólares que estavam sendo recebidos por sua família pela venda de uma instituição financeira aos sócios holandeses, ou finlandeses, sei lá.  Estávamos num janeiro ardente, mas a dona da casa tinha resolvido fazer a festa no jardim pois era época de lua linda, como a que nos tem encantado nos últimos dias. Os dias e as noites estavam realmente infernais, e, como fosse janeiro, era possível que uma chuva de verão desabasse de repente (ainda não tínhamos as sofisticadas previsões meteorológicas de hoje em dia) A dona da casa, portanto, com todos os seus milhões, tinha coberto o jardim com um toldo transparente – absoluta novidade cá na terra – e para evitar que o ambiente se tornasse uma estufa, tinha mandado refrigerar o jardim. Isso era absolutamente inusitado, jamais havia sido feito antes. Como dizem os americanos, tratava-se de "state of the art". Pois, com tantas maravilhas para capturar minha atenção, da festa só me lembro mesmo do rosto da dona da casa. A luz feérica iluminava todas as bossas e reentrâncias de seu rosto, e ela parecia um quadro de Picasso, estranhíssima. Passei a festa hipnotizada pela figura. Os outros convivas, sem dúvida, me tomaram por alguma deslumbrada que estivesse fascinada pela importância da madame. Afastei-me, virei as costas, mas, volta e meia olhava para aquele rosto que se desmanchava em relevos geométricos e ficava pensando que ninguém mais olharia para ela e se encantaria com os olhos claros, que desapareciam atrás dos volumes artificiais.
Tempos depois, uma amiga, numa conversa dessas de mulherzinha, me pediu que lhe avisasse se estivesse exagerando nos "procedimentos". Como fazer isso? Impossível. Pois mesmo quando a gente, com toda a intimidade, diz algo como "agora chega", a resposta invariavelmente é : "só falta dar um jeitinho aqui neste ponto". Um ponto que muda a cada olhadela no espelho.
Também tenho amigas que me pedem que lhes dê um "toque", caso comecem a perder o juízo. Missão igualmente impossível, pois se o juízo já está comprometido, elas já não são mais capazes de aceitar os avisos. E, como todas as minhas amigas são inteligentes e cultas, e o juízo pode abandoná-las, mas não a sua inteligência, argumentam brilhantemente, defendendo suas posições.
Avalio: de que me vale desmontar a ilusão que cada um de meus amigos constrói para si? Eu os amo até porque sabem se iludir e com isso me ensinam a ser um pouco mais complacente comigo mesma. Por isso me olho no espelho e não entro em depressão. Me vejo com olhos sonhadores, que apagam os sinais, os quilos, a falta de sex-appeal. Sorrio para meu rosto no espelho, na esperança de espantar o tal "bigode chinês", convencida de que, sorrindo, as pessoas vão notar mais a simpatia que o desmoronamento. Na verdade, pago o preço de uma convicção: o tempo nos esculpe, por bem ou por mal. Mesmo fazendo todos os "procedimentos", a gente não fica mais jovem. Fica é com cara de quem não se conforma com a idade.

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