Sunday, July 24, 2011

Boquitas pintadas

Adoro esse romance de Puig. Na verdade, adoro Puig, que cheguei a conhecer nas aulas da Bela Josef, outra que já partiu. Acumulo perdas pela vida afora. Na faculdade, são muitas. Além desses dois, tenho saudades do André Trouche, nosso querido Andrezinho, da Samira, e de outras pessoas que, embora estando vivas, nunca mais vi. Agora, recentemente, estive com o queridíssimo Jorge, que nos apresentou Fiamma, a difícil poeta:
A madeira tem os seus sinais
rumor demais…
Guardei esses versos de memória, mas guardo pouca coisa de memória, só me ficam as sensações de beleza e encantamento.
Por exemplo, tive uma professora, a Socorro, da qual gostava muito. Hoje nem sei que matéria ela ensinava. FundIber? O que seria isso? Tive outra, Maria Arminda, que passou por minha vida um único semestre, mas me deixou um presente para a vida toda: Marcel Proust. Tive uma professora, chatinha, tentando me ensinar complemento nominal. Era de uma sofisticação bizantina, o argumento dela. Mas ensurdeci e continuei sabendo apenas o que o Ivan Alves, o extraordinário professor do cursinho, me ensinou. Aprendi direitinho com ele. E com o Manuel Maurício, mefistofélico, incrivelmente provocador. Eu o adorava. Assim como adorava a Marlene e suas aulas sobre Drummond, a quem, por sua vez, ela adorava. Parecia o próprio poema: Lucinha adorava Marlene que adorava Drummond que estava namorando sei lá quem, o que me deixou chocadíssima o dia que descobri. Era como pegar meu avô em flagrante de adultério! Sofri com isso. Depois perdoei. E mais depois ainda, entendi. Juventude é muito radical e moralista.
Mas chega de divagações. O romance de Puig foi me arrastando por memórias desalinhavadas, quase que me afogando. Volto a ele para dizer que minha teoria da cor do baton e da palidez das ideias só deve ser aplicada nos palcos iluminados da vida. Sempre que alguém se postar num palco e tudo o que se notar for a cor do baton, é sinal de que as ideias são anêmicas, transparentes, minguadas… Na nossa humana experiência, no dia a dia, no cotidiano fugaz, um baton vermelho tem muito a contribuir com nossa realização. Minha querida Helena, a musa dos 90, não sai sem um batonzinho. E insiste para que eu o use, também.
Hoje de manhã, quando saí para caminhar, não passei baton, não. Mas devia de estar com a boca mais vermelha que o costume, pois fui notada. Primeiro uma gracinha – e só os homens que achamos feios e inapelavelmente sem graça soltam gracinhas… Depois olhares. Fiquei meio encucada. Achei que estava com alguma coisa estranha na roupa, ou no rosto. Mas me olhei no espelho e estava normal. Deve ter sido o casaco, fechado até em cima, que me protegia do frio. Depois que abri o casaco, ninguém mais me olhou. Amanhã irei de baton. Vermelhíssimo!

1 comment:

Tereza said...

Lá vai a minha lista de livros para ler aumentando... Agora fui procurar esse do post e vi que em português é Boquinhas Pintadas. Eu falo três línguas muito bem (até sonho em inglês quando estou na terrinha), mas o espanhol é difícil. O pior é que tenho duas amigas que falam belissimamente e um dia fiquei numa mesa de restaurante num Congresso internacional com elas e as amigas delas e o espanhol delas era lindo, com vários acentos de países distintos: Argentina, Equador, Chile!!! Voltando ao post: Esse livro deve ser o máximo se foi capaz de trazer a você tantas recordações (escolhi de propósito essa palavra e não lembranças). Dessas pessoas mencionadas conheci a Marlene e o André. Marlene me deu aulas e era sempre entusiasmadíssima. André foi meu colega, um ótimo colega e sinto sua morte precoce. Enfim, precisamos conversar sobre os batons. Tem uma professora (eu ia dizer blogueira, mas ainda não consegui introjetar isso -- me soa estranho: é profissão?) que começou um blog para falar de 365 batons, mas só chegou ao 140 !!! E ela fala muito do batom vermelho da Clarice. Postou muitas fotos e em todas Clarice está lá, com seu batom que sobressai até em foto preto e branco. Eu esqueci de contar uma coisa: de manhã, eu já saio do quarto de batom ... Beijos, muitos, T.T.