Vamos ser um pouco mais coerentes? Ou a gente mostra algumas reportagens animadoras, ou não se despede com tanta "positividade". Quem é que pode começar o dia assim feliz, depois de tanta tragédia? É bem verdade que dizem que os gregos estimavam a tal da catarse como algo que lhes preservava a sanidade. Eles iam ao teatro assistir àquelas tragédias gregas e depois de todo mundo se dar mal, eles saíam da arena de alma lavada, felizes porque tudo tinha acontecido com os outros, e não com eles…
(Paro para testemunhar uma ilusão de ótica. Uma ilha caprichosa, das Cagarras, se fantasia de montanha de gelo, vestindo uma capa de nuvens. Impressionante, parece mesmo real, uma outra ilha, com um pico coberto de neve. Graças a isso minha alma se desanuvia um pouco.)
Mas volto ao humor grego – racionais ao extremo, nossos amigos gregos procuravam explicações para as desgraças, e dramatizavam a Hybris, nossa falha. Pois eles acreditavam em causa e efeito, e alguém tinha que ter cometido um engano para romper o "equilíbrio" do mundo. Já não me lembro mais qual é a tragédia, mas uma cena maravilhosa, da volta de Agamemnon ao lar, ilustra isso muito bem. Lá chega ele, se achando o máximo, trazendo Cassandra, a princesa troiana, como despojo de guerra. Os puxa-sacos resolvem estender um tapete vermelho para ele, simples mortal, passar. Ora, tapetes vermelhos eram destinados aos deuses, e embora Cassandra o avise de que, se ele pisasse o tapete, a morte o aguardava, ele está embriagado pelo próprio sucesso e não faz caso ( mas, na verdade, Cassandra era aquela profetiza em quem ninguém acreditava, mas essa é uma outra história). Ele pisa no tapete e sela seu próprio destino: será assassinado no banho por sua mulher, Clitemnestra. Ele errou e foi castigado. Os gregos assistiam a tragédia, internalizavam a lição: "não deixe a fama subir à sua cabeça". Os romanos aprenderam muitas coisas com os gregos. Na época do Império Romano dizem que era costume que os Césares andassem acompanhados por uma espécie de "grilo falante", uma consciência externa, alguém que lhes repetisse a mesma cantilena; "Lembra-te que és mortal"
Talvez os repórteres da Globo estejam cumprindo essa missão: lembrar-nos de que somos mortais e que a vida (a nossa e a do planeta) está por um fio. Tudo bem, continuem com seus avisos, mas não gozem da nossa cara dizendo "Tenham um ótimo dia". Despeçam-se com um pouco mais de honestidade, dizendo: Lembrem-se que hoje pode ser seu último dia. Aproveitem!
2 comments:
Ontem vi um repórter da CNN, com o pano de fundo povoado pelas equipes de resgate em meio de dezenas de carros em cima uns dos outros, lixo e mais lixo, dizendo que os japoneses locais --daquela cidade das usinas em alerta esperando um meltdown-- estavam silenciosos, não querendo dar suas impressões sobre nada, o que eu acho que é o normal, normalíssimo!!! E o repórter concluiu que eles estavam tentando dar conta da devastação interna. Fiquei pensando que a filosofia oriental deve ajudar nessa busca de uma certa tranquilidade, dando força para o indivíduo atravessar tempos tão dolorosos. Quanto aos gregos, era mesmo muito interessante. Aqueles festivais eram demais: faziam piquenique, ficavam lá para ver as três tragédias e respiravam um pouco e riam bastante na hora da apresentação do drama satírico (hoje em dia só restou um, "o Ciclope" --fiz um trabalho sobre ele). Sobre ser imortal: às vezes eu digo que o ser humano brinca de ser imortal e aí, quando algo acontece que vem de encontro a isso, ele se depara com a verdade e implode. Adorei seu texto: você está certíssima e tomara que alguém mostre a eles a inconveniência daquela despedida. A pausa sobre a ilha foi bela. Adorei tudo, como sempre (Ah, a peça é o "Agamemnon" de Ésquilo).
Olhe, o número de hoje, ou seja, o meu número de acesso hoje, foi 022022!!! Grande abraço e um belo dia, T.T.
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