Sunday, November 14, 2010

Pequeno Nicolau, grande Saramago

Sessão dupla de cinema, na Laura Alvim. O pequeno Nicolau, que me provocou algumas boas risadas e me fez lembrar Mon Oncle, de que o Guilherme tanto gostava. E depois, José e Pilar, o documentário sobre a "quase" viagem de Saramago. O que mais me surpreendeu? a casa em Lanzarote. A própria ilha de Lanzarote. Varrida pelos ventos, coberta de nuvens, aparentemente desabitada, com aquela casa tão angulosa, tão despida, tão diferente da linguagem quase barroca do Saramago. Aquela casa é muito mais Pilar que José. Ou talvez muito mais um projeto para depois da "viagem". As patas do elefante.
Mas há belos momentos no filme, sobretudo quando a câmera nos oferece close-ups dos olhos de Saramago: uma mistura de medo e de sonho. Inteligentes, os dois cônjuges nem sempre nos encantam pelas suas tiradas. Na verdade, as palavras "inteligentes" o são muito pouco. Quando a gente fala com a emoção – e Doña Pilar que me perdôe – diz coisas mais belas, mais relevantes. Pode ser que mais piegas também, admito. Mas é muito mais relevante assistir a emoção de um autor vendo seu filme ser exibido e se emocionando com isso que assistir a senhora consorte a reclamar para si a palavra presidenta. Falta-lhe um pouco de sensibilidade linguística… Imaginem termos que passar a dizer a amanta, ao invés de a amante. Perde-se a tesão e o único resquício do particípio presente, o que tiraria a constância desse amor. Por isso humildemente me oponho a essa violência linguística. E isso para não falar nada da sua defesa da Hilary, e das pequenas grandes faltas de delicadeza que ela esbanja pelo filme.
Quem cresce ali é o Saramago. Em sua derrocada, ele vai crescendo, demonstrando uma força e uma elegância que nos admiram. E sua grande compaixão, qualidade que julgo encontrar nos escritores que mais admiro. O respeito pelo leitor e pela verdade que julgamos descobrir nos detalhes insuspeitados. Foi uma bela tarde.

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