Sunday, August 30, 2009
Efemérides
Há palavras que nascem assim, feias e desajeitadas. "Efemérides" é uma delas. Parece que vai numa direção, guina para outra pior ainda e termina. Insatisfatória. Aprendi a usá-la num dos muitos cursos inúteis que frequentei: astrologia. Diplomei-me na confecção de mapas astrais, depois de aprender a usar o termo efeméride, com louvor. Perdi minha vida fazendo cursos que nunca viraram percursos, mas isso é assunto para outro post, hoje me concentro nas datas que acabaram de passar. Dia 27 de agosto, dia de Nossa Senhora dos Prazeres, padroeira de Maceió, por exemplo. Queria me tornar devota da santa, mas fui pelas Igrejas a sua procura e só encontrei a das Dores. Dores maiúsculas, nem essa santa quer minha devocão: se a ela me dirijo, contando os meus males, ela logo vem comparando com os seus. "Isso não é nada, minha filha. Imagina se você se visse grávida, numa sociedade machista, tendo que se casar com um velho para não ser apedrejada na esquina. Sabe a dor de uma pedrada?" Eu, que uma vez fui atingida por uma faísca de brita que escorregou de uma obra e atingiu meu nariz, reconheço que deve doer muito a tal de lapidação (outra palavra com a qual implico). Mas ela continua: "Um velho, cabeça branca, espinha curvada, suado, mãos ásperas, e eu mal tinha entrado na puberdade! Você nem pode imaginar o que é isso. E, depois, ainda ter que parir sozinha, pois ao invés de me levar a uma parteira, ele me levou a um estábulo, e eu tive que me virar, no meio de bosta de vaca e de mijo de jumento, correndo o maior risco de pegar uma doença." Nessas alturas, eu já estou me levantando, disposta a ir embora da Igreja, mas a pobre santa ainda reclama: "E o filho, que eu tive que criar sozinha, só me deu trabalho. Com o jeito que tinha para curar pessoas, podia ter sido um médico famoso, mas foi se meter com uns subversivos e acabou na cadeia. E depois, ainda me envergonhou, sendo crucificado no meio de ladrões…" Eu saio. Volto para casa. E descubro que sábado teria sido o aniversário de São Michael Jackson. Que foi assassinado. Que foi/não foi pedófilo. Que era doido de pedra, mas, como ficou muito rico e famoso, preferiam dizer que ele era excêntrico. E aqui estou eu, no domingo de sol, sem nenhuma data a comemorar nem a deplorar, pensando nas coisas menores que aconteceram durante a semana, como, por exemplo, uma ida ao teatro, para assistir a Beth Goulart interpretando Clarice Lispector. Ela e o Michael tinham muito em comum, talento, por exemplo. (Vocês pensaram que eu ia dizer loucura, e, como não quero frustrar ninguém, está dito.) Uma das coisas ditas na peça ficaram ecoando na minha cabeça: ela queria que o público a achasse bonita. Há uma outra escritora, despontando, que deseja a mesma coisa, que se envaidece por ser considerada a "mais bela". Há alguma coisa de errado em não ser bela? Alguma coisa que nos obrigue a fazer operações plásticas para corrigir nossos narizes, a barriga excessiva, o peito caído, os cabelos ralos? Por que devemos ser belos? Nós, a espécie animal mais sem graça, segundo nos ensinam os índios, que precisamos roubar dos outros animais as suas belezas – penas, peles, dentes – para nos enfeitarmos, por que é que valorizamos a beleza acima de tudo? Talvez porque a beleza de um domingo de sol nos leve ao êxtase, ao prazer, a uma sensação de bem estar. Então, prezado leitor, querida leitora, não perca tempo aqui na frente da telinha do computador. Corra lá para fora e mergulhe seus olhos no azul do mar. Ou, se for de noite, procure encontrar o desenho secreto de Deus entre as estrelas curiosas. Sim, o outro diz que Deus é um delírio, eu sei. Então procure apenas identificar qual, dentre tantas luzes, corresponde a um satélite artificial prestes a cair. Ocupe-se com sonhos, filosofias ou recordações. Teça suas próprias dores, ou encontre seus próprios prazeres. E não use nunca a palavra "efeméride" em seus textos. Poupe-nos de mais essa dor.
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3 comments:
Muito bom
Ufa! Me coloquei em dia com o nadanonada. Fazia dias que nao lia seu blog.
Lembrei de voce nestes dias, fui ver o Fantasma da Opera, versao portenha do original. Muito bom se comparado o momento que vive este pais. Ja imaginei seus comentarios no blog.
Bjs!
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