Dia 19 de abril, porque será que escolheram essa data para dia do índio?Talvez porque logo em seguida, nos idos de 1500, aportou por aqui a frota de Cabral e eles deixaram de ter sossego. Seria? É bem plausível. Por falar em índios, fui ver Xingu, e fiquei com uma vontade doida de ver Kuarup. Se o filme de agora tem qualidade e excelentes atores, e se baseia na vida de pessoas admiráveis como os irmãos Villas Boas, o outro tem a seu favor a obra literária e seus insights, que, de certa maneira, o tornam mais profundo que a realidade filmada pode ser. Sei lá, aprendo mais através da ficção que da vida real. Mas, admito, às vezes a vida real é uma boa ficção. Esta madrugada, o Discovery Channel estava mostrando um programa sobre relógios que me deixou fascinada: a origem do relógio se deve à necessidade de regulação da vida sexual de um remoto imperador chinês. Pensei que, com uma legião de mulheres e concubinas ele precisasse de dividir o tempo destinado a passar com elas de maneira justa. Mas não era nada disso. Para os chineses, o horóscopo de uma pessoa se deve ao momento da fecundação, e não ao do nascimento. Por isso eles precisavam organizar as visitas das mulheres do imperador de maneira que no momento mais propício para o surgimento de um herdeiro ele estivesse com a Primeira Esposa… Um sábio inventou um mecanismo que marcava horas, dias e fases lunares, garantindo assim os melhores sucessores para seu imperador. Claro que fiquei fisgada pelo programa, e assim aprendi também a origem da Clepsidra. Clepsidra era o nome de uma prostituta popular entre os gregos de uma cidade cujo nome não fixei. Ela percebeu que alguns de seus clientes eram rapidinhos, outros mais demorados, e para não ficar em desvantagem, criou uma espécie de taxímetro. Numa bacia cheia d'água ela colocava um recipiente com um pequeno furinho no fundo, pelo qual ia entrando a água até que o recipiente afundasse e fizesse glub! A cada glub correspondia uma tarifa, e Clepsidra só não patenteou sua invenção porque o instituto de patentes ainda não tinha sido inventado. Mas ficou rica, suponho. E deu seu nome aos relógios de água. Gosto muito de ampulhetas: seu desenho elegante, a pressa de suas areias, capturadas entre dois mundos, a sugestão de secura, de frágil inutilidade me fascinam. Mas elas precisam ser observadas com atenção: quando será que o tempo que marcam acontece? Basta desviarmos o olhar por um instante e puf! Ficamos sem saber exatamente quanto tempo decorreu. Lembro-me, então, da crueldade da marcação do tempo no Brasil Colônia: alguns senhores de escravos amarravam um de seus negros e colocavam, sobre sua cabeça raspada, uma vela acesa. Quando o negro gritasse de dor é porque a vela tinha derretido toda e estava queimando sua pele. Terrível, não? Eu, pequenina, acreditando no Negrinho do Pastoreio, achava que ele se ocupava em soprar as velas que acendiam na cabeça de seus protegidos. Pobre Negrinho. Pobres escravos. A história de nosso país está mesmo cheia de casos tristes e um dos mais tristes que conheço é a história de uma tribo que, removida de sua região e confinada numa reserva, se suicidou inteira da maneira mais simbólica possível: comendo terra. Com saudades de sua terra, eles comiam a terra do exílio, uma terra fatal. Afinal, aprendo muito com a realidade. Mas é porque sempre coloco, junto aos fatos, um grãozinho de imaginação, que me faz vivenciar estes episódios. O conhecimento que não apropriamos, não nos traz crescimento. Mantém-se superficial, informativo, e acabamos por esquecê-lo. Aquilo que experimentamos, nem que seja no faz de conta, torna-se uma lição para toda a vida. Portanto, o Tuatuari que vi em Xingu, nunca será o Tuatuari que conheci em Kuarup, e amei a partir dos sons onomatopaicos das aguinhas correndo ligeiras. Preciso mesmo de ver Kuarup, para complementar esse Xingu!
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