As leis viraram "facultativas", as normas são ignoradas, as regras gramaticais são meras sugestões… Onde é que vamos parar? Será que todos se esqueceram que, para que uma sociedade exista, são precisas as regras? Pode parecer "careta", mas é necessário parar para refletir: estamos tão liberais, tão descolados, que nosso próximo passo só pode ser a aniquilação.
Não temos uma "lei", ou seja lá o que se chame, para o problema do desmatamento; resultado: cada vez se derrubam mais árvores. Não temos uma "lei" para o uso de conduções públicas: no metrô, as portas se abrem e uma verdadeira parede humana nos impede de sair do vagão, uma vez que não se respeitam as leis da lógica que ensinam que é preciso deixar um espaço para quem quer sair na estação; nos bancos, os desenhos de sentido da fila no chão são interpretados como uma mera decoração, e a fila impede o acesso a outros serviços. Na grámatica, as regras de concordância viraram discriminação: o professor que corrige está discriminando o aluno menos favorecido… Ora bolotas!
Criamos regras para podermos viver em sociedade. A gente convenciona que é preciso parar nos sinais vermelhos, então, para evitar acidentes e engarrafamentos, devemos obedecer essa convenção. Mas aí começa nossa indisciplina: justificamo-nos falando que é perigoso parar no sinal, que nossa velocidade nos impediu de parar no semáforo que mudou de repente, inventamos mil razões para não parar. O sinal fica vermelho, mas o carro avança, pois já é a segunda vez que ele abriu e fechou e o distinto motorista não conseguiu passar. Ele não entende que isso só acontece porque algum espertinho resolveu romper a regra e que se todos insistirmos nisso vai chegar o dia em que ninguém vai a canto nenhum. Pois, por exemplo, o ônibus que diz que vai para o Castelo, pode resolver naquele dia, ir para o Recreio. Afinal, é muito chato fazer sempre o mesmo trajeto. E os carros, cansados de andar na rua, podem optar por passar pelas calçadas e provocar mortes em série. E o governador eleito para o Rio de Janeiro pode preferir ir governar São Paulo e entrar em disputa com o que foi eleito para lá, estabelecendo um governo paralelo. E o redator do jornal pode decidir que não gosta mais da palavra vida, e substituí-la por salada, e o editor pode fazer como o Visconde de Sabugosa e surripiar o "ão", acabando assim com nosso fracote não (Caetano, finalmente será obedecido já que ficará proibido proibir).
Precisamos de regras e de leis, se quisermos continuar vivendo em sociedade. Precisamos das regras de etiqueta, de nos cumprimentarmos com gentileza, de aceitarmos a ideia de que nossos direitos terminam quando os dos outros começam. Não posso forçar que meus vizinhos tenham que escutar FUNK toda vez que me der na telha escutá-lo. Nem devo furar fila, nem jogar papel no chão. O lixo deve ser colocado no lixo, e não na jardineira do edifício. Não podemos estacionar em fila dupla, pois impedimos a passagem na rua, que é pública. Quando algum governante manda plantar uma mudinha de planta que achamos bonitinha, é para deixá-la ficar no canteiro, e não para arrancá-la e levá-la para nosso sítio. E quando o próximo nos irritar, não é para estapeá-lo sem piedade, é preciso ter a humildade de ver quem é que está mesmo errado, se somos nós com nossa buzina ou se o carro da frente pifou e precisa de reboque. Vamos combinar? Se até para jogar cartas é preciso aceitar as regras, por que é que não podemos ver que elas beneficiam a todos? Mas, se alguma regra for boba, ou exagerada, se os costumes mudaram, se as necessidades são outras, podemos aprimorar o que está falho e melhorar nossa convivência. É sempre possível nos divertir na companhia dos outros, e o trabalho em conjunto é sempre mais leve...
Agora que desabafei, estou me sentindo igualzinha… Devo estar com um cartaz de CRI-CRI colado na testa. No entanto, gosto que meus amigos saibam que vou chegar na hora marcada, que vou cumprir os prazos, que não vou levá-los em casa dirigindo pela contramão, essas coisinhas básicas.
1 comment:
Querida, se vc é CRI-CRI, acho que nasci CRI-CRI, mas com a conotação, claro, de pessoa do bem, que acredita que regras são necessárias e vitais, que nem você. A nossa família era de juristas, estudiosos da lei, e isso fez toda a diferença para mim (e acho que para vc também), e anos mais tarde fui estudar as Ciências Jurídicas e amei cada minuto dos cinco anos. Muitas vezes me deslumbrei com as leis do Código Civil: eram tão investidas de bom senso, do certo e do errado para a coletividade, do ético. Enfim, é isso, amei a postagem e deixo mil beijos, T.T.
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