Ontem, na aula, estava comentado que procuro sair cada vez menos. Gosto, sim, de sair, mas talvez isso seja alguma coisa genética. Na minha família havia muitas reclusas. Parentas que não saíam mais de casa, não sei por quê. Outras que passavam dias inteiros trancadas em seus quartos. Outras que, além de não sair, não falavam com ninguém. Nossa, parece uma família de depressivas irrecuperáveis, mas não era bem assim. Eram pessoas alegres, sorridentes. Pode ser que uma ou outra estivesse deprimida, mas não pareciam. Talvez a que não falasse com ninguém não estivesse lá muito satisfeita. Ou talvez ela não falasse só comigo, uma criança, por falta de assunto. Como, do alto de seus oitenta e tal, ela podia falar com uma pirralha mimada de 6 ou 7? E depois, como, aos 90, ela ia entender as mudanças de humor de uma adolescente?
Uma vez, muitos anos depois disso, conheci uma senhora linda, não estou brincando, elegante, fina, com 95 anos. Estava morando nos EUA e fui a um chá na casa de uma amiga inglesa, cujos chás nunca mais vou esquecer. Chá inglês, com sanduíches de pepino, tudo tão perfeitamente inglês! Mas, volto ao assunto, chegou uma amiga da inglesa com sua mãe, de 95 anos, que parecia mais nova do que a filha. Se bobear, parecia mais nova do que eu, que tinha idade de ser filha da filha. Fiquei fascinada, rodeando em volta dela , doida para saber o seu segredo. Muito digna, ela me disse que tinha feito "o tratamento" com a Dra. Aslan. Isso era uma coisa de que eu já tinha ouvido falar, diziam que o Roberto Marinho também tinha feito, essas coisas de milionários que iam para a Romênia e nunca mais envelheciam. Eu fiquei deslumbrada, achei que era uma maravilha, e que ela devia estar contentíssima por chegar aos 95 daquela maneira, saudável, linda, e ia continuando no meu entusiasmo sem limites quando ela me interrompeu, me olhando bem nos olhos, com o olhar mais triste que já vi, e disse: Não há nada mais triste. Não tenho mais nenhuma amiga, todas já morreram. Estou condenada a ser amiga das amigas de minha filha e… Ela não precisou terminar. Estava claro como água.
Ia agora falar sobre uma porção de baboseiras, sobre educação e vida interior, mas não era disso que se tratava. Ela reclamava de solidão.
Termino com uma nota alegre. Tenho uma outra amiga, agora, que está chegando, daqui a alguns dias, aos 92. Essa é minha amiga, companheira de viagens, alegre e cheia de planos, nada solitária. Ela sempre diz: sei conviver muito bem comigo mesma. Será esse o segredo? Aprender a conviver com si mesma – gostar da própria companhia, e não esperar dos outros um entretenimento que nem sempre eles podem nos dar. Fazer amigos de diversas idades, continuar acreditando em ideais, fazer planos para o futuro que ainda existe sim, embora o Jabor hoje esteja falando de um eterno presente. Sai dessa, amigo! O amanhã vem trazendo viagens e surpresas. E boas notícias. A Alemanha decidiu acabar com todas as suas usinas nucleares. Existe futuro e existe esperança!
2 comments:
"E boas notícias. A Alemanha decidiu acabar com todas as suas usinas nucleares. Existe futuro e existe esperança!"
Indeed! ;) Posso ser ingênua...mas juro que acredito.
=*
Querida, finalmente consegui uns minutinhos sem a conexão falhar. Li a postagem e amei essas mulheres um pouco diferentes. Que universos, que mundos habitavam nos seus momentos sem a invasão do Outro! Sabe, sempre fui fascinada pelas poesias de Emily Dickinson, muitos anos antes de conhecer sua biografia. E quando a conheci ainda mais fascinada fiquei. Sabe que ela pouco saía de casa? Não por causa disso ou daquilo mais prosaico ou mais terrível medido em parâmetros da dita normalidade psíquica, mas porque sentia uma emoção imensa até em ver os amigos.Bem, falaremos sobre isso em outra ocasião. Vou postar rapidinho. Venha me visitar: isto aqui está um tédio, só salvo pelas belas entrevistas desses escritores maravilhosos que estou lendo. Saudades, muitas, T.T.
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