Abro o jornal hoje e leio o Ubaldo falando de como seus assuntos se desviam, apesar de sua vontade. Quem já me ouviu falar nas oficinas e palestras que andei fazendo por aí, sabe que, como escritora, minha autonomia é cerceada pela própria história. A palavra escrita tem uma lógica própria, e nos faz entrar em descaminhos, em divagações, em retornos inesperados. Navegamos na página sem GPS, guiados por estrelas que mudam de constelações, rindo de nossos astrolábios. Concordo com o querido João Ubaldo, e fico pensando quanto dessa nossa pena insubmissa se deve às lições dos livros amados? Pois dois mestres muito queridos, pelo menos esses dois, tenho certeza de que compartilhamos: Machado e Homero. O velho Borges, que não é meu mestre, mas que muito me fascina, bate com sua bengala para me chamar a atenção, e avisa: "não se esqueça das Mil e uma noites!" Faço que sim com a cabeça, mas o coração discorda. Minha paixão por Machado e por Homero são coisas da adolescência, época em que já temos discernimento suficiente para apreciar as leituras com corações e mentes. Minhas mil e uma noites foram puro encantamento infantil, como aquela coleção adorada dos Melhores Contos de Fada de… e cada livro se dedicava a um país. Podia ser Hungria, França, Rússia, Portugal. Sei que aprendi muito com eles. Li coisas que depois descobri que eram clássicos medievais, como o Roman de Renard. Por mais que me esforce, meu amante alemão me proibe de lembrar o nome da tradução infantil, para o livro. Provavelmente "As histórias de Renard, a raposa", na corte deliciosa em que o leão era rei, coroado e tudo o mais, e o grande vilão era o Lobo, mas onde os Mastins também eram maus e violentos. O outros bichos apareciam e formavam uma sociedade complexa, rica, onde as vítimas eram sempre as Galinhas. Não digo que somos regidos por uma lógica diferente da nossa? Lá ia eu explorando um assunto e agora me vejo aqui, falando de uma história da qual nem sequer me lembro direito, mas que deseja ser reconhecida entre meus farrapos de memória.
Volto a Machado e Homero, os dois reis das digressões. Homero resgata o mundo a partir das histórias de Odisseus. Sei que o Ubaldo prefere a Ilíada, mas sou fã da Odisseia, que acredito ser a "mãe" de todas as narrativas. Não vou dizer porquê. Nem saberia, num blog, explicar minha tese. Seria necessário escrever outra tese, e nessa não me meto. Prefiro ser borboleta de um jardim de muitas flores que jardineira de uma única espécie. Portanto, lá vou eu em nova digressão, falando das histórias de Odisseus, que nos ensinaram desde geografia a história, que exemplificaram a criação do mundo, o sagrado e o profano, desvendaram o reino dos mortos, revelaram os perigos da sedução e os ardis da arte, e, no final, nos levaram a bom porto! Tudo isso pela boca de um mentiroso, que é a jogada mais genial de toda a Odisseia. Quem conta as histórias é reconhecidamente um grande embusteiro. Deixe a musa encantar o Ubaldo, e cantar a cólera do semideus Aquiles. Eu fico com as mentiras de Odisseus, humano como eu!
E, naturalmente, com Machado, o esperto Machado. Com ardileza, ele nos leva a pensar aquilo que ele deseja que pensemos: estratégia do fraco esperto, que aprendi – e agora se explica a intromissão – nas histórias de Renard, a raposa. Vamos e voltamos, e nunca saímos do lugar – e isto é a Odisseia… Navegamos num mar de leituras e aí venho a falar da Marta Medeiros que hoje comenta que prefere ler aqueles que são melhores do que ela. Sim, dona Marta. É sempre mais edificante lermos o que foi escrito pelos grandes mestres. Mas também é bom lermos nossos pares, e até mesmo aqueles que nem parecem dominar ainda a arte da escrita. Se olharmos sempre para cima, ficaremos com torcicolo e nos achando incompetentes. É preciso nos avaliarmos também com jogadores do mesmo nível e até mesmo bater uma bolinha com outros que ainda não nos alcançaram. Esses são os diálogos que nos reasseguram e reforçam nossa autoestima. Mas nada de abuso, se ela começar a crescer demais, corramos para os clássicos, para os excelentes, para os divinos: eles nos revelarão nossa justa medida!
Volto a Machado e Homero, os dois reis das digressões. Homero resgata o mundo a partir das histórias de Odisseus. Sei que o Ubaldo prefere a Ilíada, mas sou fã da Odisseia, que acredito ser a "mãe" de todas as narrativas. Não vou dizer porquê. Nem saberia, num blog, explicar minha tese. Seria necessário escrever outra tese, e nessa não me meto. Prefiro ser borboleta de um jardim de muitas flores que jardineira de uma única espécie. Portanto, lá vou eu em nova digressão, falando das histórias de Odisseus, que nos ensinaram desde geografia a história, que exemplificaram a criação do mundo, o sagrado e o profano, desvendaram o reino dos mortos, revelaram os perigos da sedução e os ardis da arte, e, no final, nos levaram a bom porto! Tudo isso pela boca de um mentiroso, que é a jogada mais genial de toda a Odisseia. Quem conta as histórias é reconhecidamente um grande embusteiro. Deixe a musa encantar o Ubaldo, e cantar a cólera do semideus Aquiles. Eu fico com as mentiras de Odisseus, humano como eu!
E, naturalmente, com Machado, o esperto Machado. Com ardileza, ele nos leva a pensar aquilo que ele deseja que pensemos: estratégia do fraco esperto, que aprendi – e agora se explica a intromissão – nas histórias de Renard, a raposa. Vamos e voltamos, e nunca saímos do lugar – e isto é a Odisseia… Navegamos num mar de leituras e aí venho a falar da Marta Medeiros que hoje comenta que prefere ler aqueles que são melhores do que ela. Sim, dona Marta. É sempre mais edificante lermos o que foi escrito pelos grandes mestres. Mas também é bom lermos nossos pares, e até mesmo aqueles que nem parecem dominar ainda a arte da escrita. Se olharmos sempre para cima, ficaremos com torcicolo e nos achando incompetentes. É preciso nos avaliarmos também com jogadores do mesmo nível e até mesmo bater uma bolinha com outros que ainda não nos alcançaram. Esses são os diálogos que nos reasseguram e reforçam nossa autoestima. Mas nada de abuso, se ela começar a crescer demais, corramos para os clássicos, para os excelentes, para os divinos: eles nos revelarão nossa justa medida!
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