Desde pequena que fui obrigada a fazer aquilo que os outros queriam: ser bem comportada era minha única opção. Não sei como me convenceram a ficar assim tão "amestrada", se foi pela persuasão ou por espancamento (sim, isso se usava em minha casa), não sei o que resultou em me dar essa segunda natureza que, muitas vezes, amaldiçoo, mas da qual não consigo me livrar. E assim vou fazendo aquilo que esperam que eu faça. Nem mesmo o direito à minha timidez eu tenho: se eu dizia que "tinha vergonha", aquilo parecia ser uma senha para que todos os olhos se voltassem para mim e todas as vozes reverberassem, altíssimas, me censurando. Em resumo, a vergonha de ter vergonha se tornou mais forte que o desejo de uma proteção que nunca me foi dada. Pois se tentava me esconder atrás de uma saia, ou de pernas adultas, era puxada, empurrada, até que me pusessem, desamparada, a descoberto. Tantos anos passados, ainda sofro com a evocação dessas cenas.
Mas um dia, tardio, com certeza, li Bartleby. Confesso que li sem entender direito, minha psiquê não permitia que eu me identificasse com aquele ser que estava morto dentro de mim mesma. Preferiria não fazê-lo, se me fosse possível dar essa resposta. Mas, uma vez começada a leitura, tinha que terminar. E, lido o livro, tinha que pensar sobre ele. Bartleby até hoje me assombra. A cada vez que faço algo contra a minha vontade, ele me olha de seu cantinho escuro e ri, sardônico. Não diz nada, mas o riso que atravessa sua boca é um relâmpago que ilumina, impiedoso, a minha falha.
2 comments:
Bartleby é muito intrigante. Aquilo de só copiar, de ficar só olhando aquela parede, de ser terrivelmente só, me dá um pouco de calafrio. Grande abraço, T.T.
Oi Lucia, aqui em Paris lendo seu blog sempre especial e lembrando da saudade que estou de voce. bjs Teka
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