Sunday, July 08, 2012

Adormecida


Uma noite, eu me lembro... Ela dormia 
Numa rede encostada molemente... 
Quase aberto o roupão... solto o cabelo 
E o pé descalço do tapete rente.
'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste 
Exalavam as silvas da campina... 
E ao longe, num pedaço do horizonte, 
Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados, 
Indiscretos entravam pela sala, 
E de leve oscilando ao tom das auras, 
Iam na face trêmulos — beijá-la.
Era um quadro celeste!... A cada afago 
Mesmo em sonhos a moça estremecia... 
Quando ela serenava... a flor beijava-a... 
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
Dir-se-ia que naquele doce instante 
Brincavam duas cândidas crianças... 
A brisa, que agitava as folhas verdes, 
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava ora afastava-se... 
Mas quando a via despeitada a meio, 
P'ra não zangá-la... sacudia alegre 
Uma chuva de pétalas no seio...
Eu, fitando esta cena, repetia 
Naquela noite lânguida e sentida: 
"Ó flor! — tu és a virgem das campinas! 
"Virgem! — tu és a flor da minha vida!..."

Recém chegada de Paraty e da Flip, não é de estranhar que venha com a cabeça cheia de poesia. Da poesia de Drummond e de retalhos de poesias que a gente vai esquecendo pelo caminho. Tropeço aqui e encontro a lua irônica do poema de sete faces, claudico ali e as mercadorias, melancolias me espreitam e zombam de meu titubear. Entre as pedras do caminho, reconheço versos de João, na luz balão de cada manhã entretecida. No barco ancorado me julgo transportada ao Recife e sorrio nesta Pasárgada que existe para mim e seduziu Manuel.  E mesmo o Shakespeare que se insinuou entre as palestras, metamorfoseia-se nos Tupis or not Tupis que vendem seus artefatos pelas ruas. 
Poetas amados, alguns quase esquecidos, seus poemas me aguardavam nas estantes e agora me surpreendem em sites de pesquisa. Armo minha rede, do jeito que posso, e adormeço minha sede infinita. Bicho da terra, pequeníssimo, entre criaturas me resigno a amar minha falta, minha secura, na cidade que me ilude, e me deslumbra.
Hesito. O corpo veio, a mente se recusa a chegar. Entre o ontem e o hoje a saudade se insinua, se instala e me faz perder o compasso e a ordem gramatical. Ainda há Rimbaud, talvez seja possível resgatar seu barco e partir. Ou deixar-me desfazer no mangue seco, sonhando com as ondas e com as flores do mal, mas… ninguém me chama de Baudelaire, ninguém me quer! E, no entanto, eu me deixo tentar numa rima, numa dissolução. É quase que um delírio, e meu vai e vem me embala e, finalmente, minhas retinas fatigadas desistem de ver o que lá não está.
Adormeço tarde. O sonho chegou primeiro.

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