Tuesday, September 30, 2008

Novidades

Estou de volta ao Brasil, mas ainda não ao Rio. Estou no belo Paraná, visitando cidades aqui no noroeste do estado. Passei por Curitiba, rapidamente, onde fazia frio, e fui para Maringá. Isso foi ontem, hoje já estou aqui em Paranavaí. Termino o périplo lá em Curitiba, onde serei recebida pelo editor do Jornal Rascunho, no Quintana, "restaurante cultural" que estou ansiosa para conhecer. Só pode ser legal, pois o cardápio, que recebo por e-mail, me faz ficar com água na boca. E os donos são simplesmente o máximo! Meus leitores do Paraná, por favor, apareçam no sábado às duas horas, para a leitura de contos de meu novo livro, sim? Não acham legal, este conceito de restaurante que alimenta o corpo e o espírito ao mesmo tempo?
Bem, fiz ontem uma palestra muito legal para o pessoal do SESC de Maringá. Foi uma conversa sobre Machado, e, como soube que muitas pessoas do EJA (educação de jovens e adultos) estariam presentes, resolvi procurar um texto de Machado que anda meio esquecido,mas que me encantava quando eu era pequena: Um apólogo. Quem lembra da história da discussão entre uma linha e uma agulha, para decidirem quem era mais importante? Foi lega, a reação das pessoas, que descobriram que Machado não era só aquele escritor importante das homenagens, mas um cara que podia escrever coisas simples, que falassem a todos os espíritos. Esse é o problema com os escritores de muita fama, as pessoas ficam achando que, como são grandes nomes, seus textos são difíceis e complicados. Nem sempre isso é verdade. Geralmente, trata-se do contrário, um texto simples, mas de muitos níveis de leitura, e sempre de portas abertas para acolher leitores que venham apenas para se distrair um pouco... e que sempre saem um pouco mais ricos.
Bem, hoje vou dar mais uma trabalhadinha no texto que vou apresentar de noite. Depois conto como foi a apalestra. Ah, a novidade é que os vídeos de Linha de sombra estão no YouTube.
Aqui estão os links, vocês podem ir até lá e votar, classificar, sei lá. E podem contar para os amigos irem lá, dar uma olhada. São os mesmos que vocês já viram aqui, mas assistam de novo, dêem sua opinião, tá bem? http://br.youtube.com/watch?v=nOEmw96dAiE
http://br.youtube.com/watch?v=pFYDodBEyZA
Ah, ia esquecendo: Hoje é dia de ano novo judeu. Então, feliz Rosh Hashaná! Também é Dia da Secretária! Felicidades e beijos a todas, as que conheço e que sempre ajudaram tanto o Guilherme, e todas as outras. E também é dia de Santa Terezinha, aquela freirinha das rosas, tão meiguinha, que desejava passar ao Céu fazendo o bem na Terra ...
Bem, a novidade é que estou escrevendo um romance. Por enquanto, chama-se "Mariana não vive mais aqui". Vai ter umas cartas de amor muito lindas (bem, eu acho) ou muito ridículas, como diria o Fernando Pessoa. Vai ter briga e ciúme entre mãe e filha. Vai ter um pouco de risos, um pouco de lágrimas, essas coisas... E, claro, vai ter um fundinho de literatura. Afinal, tudo o que escrevo, tem uma espécie de homenagem a textos amados que fui lendo pela vida afora.
Bem, agora vou trabalhar no texto da palestra.
Até amanhã, em Umuarama.

Saturday, September 27, 2008

Douce France

O Aznavour tem uma canção célebre que fala de como Veneza é triste. Eu gostaria de conhecer uma canção que dissesse como Paris é alegre. Em dias de sol, a cidade parece uma festa (Hemingway já disse isso), mas uma festa popular, onde todos saem para passear e sorriem, só pela beleza do dia. A cidade está linda, a Notre Dame, acho que pela primeira vez em minha vida, sem nenhum andaime, toda limpinha, bela, quase que juvenil. Os cavalos do Grand Palais, que foram removidos para limpeza e recolocados no mais brilhante dourado, voltaram à sua pátina verde, o que me alegrou. Estava tão acostumada com esse seu caráter, digamos, marinho, que seu disfarce solar me incomodava... Fui ao teatro, em Montmartre, assistir a uma peça histórica, sobre Mazarin: Le diable rouge. Adorei! Ah, um bom teatro, de verdade, com tudo a que se tem direito, desde cenário deslumbrante a figurino espetacular e, o mais imporante, atores impressionantes! Coisa boa! Na minha última noite, fui assistir a um concerto de cantos gregorianos na Notre Dame. A-do-rei! Várias canções e ainda um bônus: uma das cantigas de Santa Maria, do bom e querido Alfonso X, cantada em galego-português, falando sobre o compositor das canções, Adam de St. Victor. Era a historinha de uma das canções, que foi cantada a seguir, fechando a noite. Um encanto. Nas outras duas noites, nenhuma programação especial. A primeira foi uma noite de descanso, depois de uma longa e desconfortável viagem -- todas as vezes juro que será a última, mas, assim que desembarco, já começo a pensar na próxima, achando que Paris bem vale uma noite sem dormir... Na outra, visitas, trabalho, um pouquinho de cada. Valeu, pois estou com a agenda quase que tranquila.
Agora estou aqui na Langogne, participando de um aniversário que tem comemorações múltiplas: Já jantamos, já passeamos, já almoçamos, e ainda temos uma ceia, hoje à noite. Amanhã, uma maratona. Vou passar o dia viajando. Primeiro, dirijo minha linda e pequenina Fiat alugada, até Lyon. De lá tomo um TGV direto para o aeroporto. Aí tomo um avião para o Rio. Desembarco e tomo outro para Curitiba. Não, ainda não cheguei ao fim. Tomo um outro avião para Maringá e lá faço uma conferência, se conseguirem me manter acordada. Acho que vou ter que tomar umas injeções de cafeína. Na veia.
No dia seguinte, vou para outra cidade no Noroeste do estado, mas esqueci a ordem da viagem: Passo por Paranavaí, por Campo Mourão, por mais outras cujo nome não lembro agora. Termino em Curitiba, onde, no dia 4, farei uma leitura de contos e sessão de autógrafos no Quintana. Convido a todos os meus amigos de Curitiba, que desejarem me ver, para dar uma passada por lá. Venham, vou adorar dar um abraço apertado em todos.
Ah, quando tiver um pouco mais de calma, colocarei aqui as fotos do chateau onde as festas estão se passando.

Wednesday, September 17, 2008

Ela pisava nas flores distraída...

Quando vou para a UFF sempre escolho o caminho mais bonito, margeando nossas belas praias, atravessando o lindo parque do Flamengo, suspendendo-me para ver melhor as torres das igrejas do centro e depois atravessando a ponte e embebendo meus olhos no encantador cenário escolhido pelo Rio e Niterói para se alojarem. Nunca consigo decidir se é mais bonito ir ou voltar...
Essa época do ano, entrando na primavera, me deixa ainda mais deslumbrada, com os belos ipês (sim, acho que são ipês) que, com suas flores cor-de-rosa, formam nuvens que me lembram canções de um amor passado. Ontem, por causa da chuva, as árvores me prestaram uma homenagem diferente e cobriram meu caminho com um tapete de flores, e eu me senti a mais importante pessoa do mundo! Um tapete de flores, suavemente asperjidas à sua frente, que rainha receberá mais bela homenagem?
Meus olhos, bêbados de beleza e de lembranças, só protestam quando avistam o novo cartaz sobre a Rodrigues Alves: Cerveja e futebol?! Como transformaram assim aquele honesto X que serviu de estrela para minha família durante tantos anos? Primeiro o implodiram, marcando o início de sua derrocada. Depois isso: garrafinhas e bolas, que custamos a perceber que não se trata de uma nova campanha de cerveja, e sim da matriz da Xerox! Sic transit gloria mundi! Já que não dá para beber e dirigir, quem sabe dá para beber e trabalhar? Será essa a mensagem? E bola prá frente que atrás vem gente! Os marketeiros da companhia que me desculpem, mas detestei.
Melhor terminar este post pensando nas flores e nas torres do Mosteiro de São Bento. Atentas, elas me esperam no caminho de volta, para se certificarem de tudo correu bem na travessia. As árvores ondeiam seus galhos, numa bênção, e logo estou de novo no aterro. Desta vez é a multidão de pompons amarelos das acácias mimosas que se movimenta ao me ver passar, sorridentes como adolescentes em dia de festa. Mesmo sob chuva e frio meu coração consegue permanecer aquecido com esses agrados....

Sunday, September 14, 2008

O outro vídeo

Sei que nem tudo é perfeito, mas sempre podemos melhorar. Enquanto estivermos no jogo, o importante é a gente ir relevando as falhas e aproveitando as coisas boas. Nunca sabemos o bem ou o mal que um dia de chuva pode trazer, nem o que o fraco sopro de ar contido em poucas palavras pode trazer de destruição ou de emoção. Ai, palavras, que estranha potência a vossa, sois de vento, ides no vento ... Então escrevo-as, quem sabe assim elas percam suas arestas, e não firam, só acariciem... Enquanto isso, outros encenam o sofrimento de minhas histórias: Aqui vai o outro vídeo para vocês. Trata-se de uma breve encenação de pedaços de contos tirados de meu livro novo. No vídeo que postei anteriormente, os leitores poderão reconhecer pedaços de dois contos: "Depoimento" e "Ikebana", muito bem mesclados pelos meus amigos cineastas -- segundo minha opinião.
Neste vídeo os trechos foram retirados de "Faxina" e de "O ovo". Vejam o vídeo e indiquem o site aos amigos, por favor. Leiam o livro e recomendem aos amigos, por favor. Esse é o maior agrado que vocês podem me fazer. Obrigada.

Não posso mais esperar!

Estava aguardando um sinal verde de meus amigos cineastas, mas não aguento mais esperar para colocar à disposição de meus amigos de blog os trailers de Linha de Sombra. Sabe como é, filho novo, que nos obriga a mil cuidados, que provoca mil esperanças, que nos cansa e nos encanta...
Compartilhem comigo a emoção de assistir os vídeos (que divulgo aqui mesmo sem o sinal verde) e de se maravilharem com o talento da equipe que os realizou. Como uma pequena filmagem envolve gente! Desde a roteirista (Natália Klein) à diretora, ou produtora, (Debora Pessanha) -- me perco entre tantas funções e atribuições. Nos bastidores, uma multidão, mas só me lembro do nome de mais duas pessoas, o Rodrigo Brazão e a Juliana Bach. No entanto, conheci mais duas participantes da equipe e lamento muito essa minha memória cheia de furos. Imaginem: tem alguém com a câmera e mais alguém responsável pela iluminação. Alguém tem que fazer o casting, ou seja, a escolha do elenco, e ainda tem a música, a montagem, os cálculos, o transporte. Depois as pessoas me corrigem, quando digo que escrever é fácil... Fácil em termos de equipamento e técnica material, é claro. Um lápis e um papel, uma varinha e areia, e já está! Anchieta, segundo a tradição, escreveu o primeiro poema brasileiro nas areias de uma praia. Como dizem os italianos, si non è vero... Quer imagem mais linda que o primeiro poema de uma terra sendo escrito na própria terra?
Mas estou escrevendo demais, e nada de vídeo! Então, vamos às imagens, pois é uma delícia essa coisa de misturar a escrita e a imagem e a música, tudo aqui!

Saturday, September 13, 2008

Outro mimo

Ainda não tive a chance de comentar as outras coisas que fiz em SP. O casamento, sim, foi por isso que fui lá. Revi amigos, de outra vida e da minha vidinha atual. Fui ao teatro: na sexta fui ao Hamlet e mais uma vez me extasiei com o texto de Shakespeare. Quanta coisa boa, quanta qualidade! Pena que o diretor não tenha entendido o que estava dito. Vejam, há uma verdadeira lição de teatro, as indicações da direção, por assim dizer, naquele famoso trecho "Speak the speech, I pray you..." Hamlet ensina que há de dizer o texto sem gritarias nem grandiloquências, com simplicidade de cenário e de gestos, economia até de voz, elegância. Está tudo lá. E nada disso estava no palco. Desta vez o Aderbal se equivocou: ao invés de usar sua experiência e ensinar teatro aos jovens (e talentosos) atores, que se aventuravam com tanto destemor a representar a peça, resolveu "assinar" a montagem e só conseguiu "assassinar" Shakespeare. Sou da opinião que, sempre que se monta um espetáculo desses aqui no Brasil, é nossa obrigação assistir, para que atores e diretores se sintam estimulados a repetir o projeto e comece a se formar uma tradição. Por isso vou, e sempre aconselho todos a ir. Fui ver Marco Antônio e Cleópatra da Maria Padilha e não me incomodaram as falhas do espetáculo. Mas em Hamlet me incomodaram muito, pois poderia ter sido muito melhor. O talento do Wagner Moura é inegável. Ele não tem é técnica, sua voz não resiste aos longos trechos, mas ele sustenta seu texto e até brilha. Mas essa técnica só pode ser adquirida com a prática, e isso não existe. Mas o que não deve ser feito é criar mais obstáculos para a entrega do ator. Um guarda-roupa comprado na Osklen, que deixou Gertrudes deslumbrada, mais preocupada com seu sapato que com seu drama, e que fez o pobre Hamlet passar toda a peça com jeito de quem precisava uma troca de fralda -- isso poderia ser evitado. As corridas desnecessárias também não precisavam estar ali. O cenário pavoroso -- canteiro de obras do metrô -- não precisava existir. A câmera, enorme, atravancando os atores ---foi...mais ou menos. Se as imagens projetadas no telão tinham relevância e se tornaram um efeito cênico bacana, a câmera era grande demais, atrapalhava. A solução para o fantasma do pai foi ótima. Bom teatro, trabalhando bem o pacto de entendimento entre palco e platéia. A cena da morte de Ofélia também foi bonita, e ali as imagens da câmera foram especialmente belas e relevantes.
Resumindo: quero ver outra peça shakespeareana, e sugiro um Othelo, com o Lázaro Ramos no papel pricipal, e o Wagner ou o Selton como Iago. Acho que convenceriam... A Desdêmona acho que podia ser a Falabela, mesmo. Mas todos eles iam precisar de doses maciças de impostação de voz.
A outra peça que vi foi uma montagem para crianças do Doente Imaginário, do Moliere. Chama-se Dr. Dodói, e tem a ver com o grupo do Nereu, outro irmão em SESC.
No domingo ainda consegui encaixar uma visita ao MAM e apreciar a exposição do Duchamps.
Bem, é só isso. Meu corpo está cansado e precisa de ir para a cama.

Tuesday, September 09, 2008

Um mimo

Este título é tirado de meu dicionário particular. "Presente", no Recife, é "mimo", coisa muito mais carinhosa. Vejam só, a palavra usual se foca em quem dá, é uma maneira de mostrar o comparecimento à festa, de responder à lista de chamada dos amigos... Já o mimo pensa na pessoa que recebe, na alegria que ela vai ter ao receber, no gosto que o outro vai sentir. Muito mais legal, não acham? Então aqui vai o meu mimo para vocês, e eu agradeço ao Alcione Araújo, que foi quem primeiro me mandou essa preciosidade. Na verdade, esse vídeo tem muito a ver com o romance que ele acaba de lançar: Pássaros de vôo curto. Vejam que esse meu amigo tem nome de pássaro, mas só empreende altos vôos. Seu romance é quase uma epopéia, tratando de gente comum. Espero que vocês gostem tanto do vídeo como eu gostei.
Ah! aproveito para relembrar que meu livro já está nas livrarias. Vi em São Paulo e já vi no Rio, também. E o lançamento será no dia 22 de outubro, na Livraria da Travessa, no Leblon.

Monday, September 08, 2008

Guardanapinho

Mil coisas para fazer, mas não resisto a um bate-papo virtual. Essas minhas reflexões por escrito já me viciaram, vou mandar fazer um adesivo dizendo I dig my blog!
Fiz uma pausa para o almoço, e peguei um jornal antigo para ler enquanto comia. Descobri esta gracinha de termo: guardanapinho -- designação de beijinho assanhadinho no canto da boca de quem recebe. Achei muito expressivo, e me encantei com o termo. Gosto de palavras, estive pensando em fazer um dicionário pessoal, só de palavras que me agradam. Para beijo, então, já tenho duas entradas, essa do guardanapinho e o cheiro nordestino, que me encantou pela enorme intimidade que cria. Nossos beijinhos cariocas, sempre múltiplos, estalados no ar, são tão superficiais... Hoje de manhã, ao me despedir de meu filho -- que só ia para o trabalho -- fiz uma coisa que costumava fazer com eles e o pai deles, numa vida anterior: peguei sua mão, dei um beijo na palma e fiz que ele fechasse os dedos dizendo: guarda, guarda! E ele ficou, com o punho cerrado, me olhando e nós dois soubemos que esses beijos não foram e não serão desperdiçados, e que o amor existe e que é um jeito muito bom de começar a semana, esse!

Sunday, September 07, 2008

Casar e morrer em São Paulo

Não sou bairrista. Na verdade, sou fascinada por São Paulo, cidade rica, cheia de museus, de teatros que funcionam todos os dias da semana, de lojas que parecem museus, de parques e represas com repuxos. Mas, desta vez, estou em choque.
Não pelo casamento que fui, num lugar bonito, pois aqui no Rio temos nossas casas de festas lindas, e não ficamos devendo nada a ninguém. Em outros tempos fui a festas paulistas daquelas descritas pelas Revistas Caras e pela Veja -- Numa revista o deslumbre com o luxo, na outra o ultraje com esse mesmo luxo. Eu era a platéia que aquelas pessoas necessitavam, e estava bem contente com meu lugar excêntrico, usufruindo panis et circensis. Mesmo nestas festas continuava acreditando que os cariocas não devíamos nada a ninguém. Afinal, aqui também tinha festa dos Marinhos que, na falta de leões e tigres, colocavam os globais em belas coleiras para exibir aos convidados. E festas de banqueiros que exibiam duquesas e distribuíam pashminas, já que, em janeiro, a temperatura oficial da casa era a da França, para que os duques não derretessem ao serem transplantados para cá...
Mas agora acho que os paulistas realmente conseguiram me deixar, como diriam os americanos, flabbergasted, ou seja, completamente apalermada: Eles inauguraram a primeira casa de festa para mortos. Não estou brincando, deu na Folha. Ou talvez tenha sido no Estadão. Ou provavelmente nos dois jornais, pois uma notícia destas é realmente --- inédita e também inaudita!
Passo a citar:
"Com certeza vai voltar o glamour dos velórios. É a última festa do falecido, então porque não fazer uma despedida alegre?"
Quem disse isso foi a dona da casa de festas macabras, que trajava uma mortalha azul da Daslu. Segundo ela, era muito melhor ir para sua casa de festa do que para o Cemitério do Araçá, onde há ratos e os convidados nunca sabem se entraram no velório certo.
Gente, não estou inventando! A casa de festas funéreas tem quatro ambientes: São Paulo, Roma, Paris e New York. Neste último há uma saída para uma varanda com elevador, por onde passa "o caixão para que ninguém o veja." Donde se conclui que o morto é apenas um detalhe. E isso se confirma pela existência de "sala do teretetê, porque a pessoa não vai ficar o tempo todo em cima do falecido". Na opinião dos vivos, aliás, dos vivíssimos, "o morto ficará feliz de ver todo esse conforto". Pudera! Pois se, já que ninguém vai ficar em cima do falecido, para não incomodá-lo, faz parte do mobiliário uma TV de plasma, de muitas polegadas, onde o morto poderá rever os melhores momentos de sua própria vida, ou, se preferir, um show da Madona, ou até mesmo do Elvis, aquele que não morreu.
Com isso tudo, não há dúvidas que dona Milena "Mortícia" Romano "vai mudar o conceito de morte em SP, vai deixar o velório uma coisa fashion".
É isso aí, dona Funérea! Desejo que seus clientes morram logo. E acho que, se ao invés de distribuir "bem-velados", a senhora der uma tacinha de cicuta bem gelada aos seus convidados, sua casa de festas vai bombar!
Outra hora falo do Hamlet e do Dr. Dodói, as peças que assisti. Agora deixo vocês, morrendo de rir.

Friday, September 05, 2008

De ratos e homens

Aproveito o título do Steinbeck para comentar o post de meu amigo Guido. Proust nasceu em 1871, portanto sua mãe sofreu, durante a gravidez, essas inconveniências da guerra. Tanto que foi por isso que nosso querido escritor nasceu em Auteil, que na época era uma cidade satélite, não um bairro de Paris, como é agora. Para fugir da escassez em Paris, Mme Proust se refugiou na casa de um irmão de sua mãe. Só que Marcel sempre foi uma criança frágil e nervosa, e seus parentes diziam que o temperamento dele era consequência do clima de insegurança e perigo durante a gestação. Se este fosse mesmo o caso, nossa cidade devia ser uma habitada por pessoas frágeis e nervosas, pois estamos vivendo um clima de guerra civil há muitos anos. É que a gente vai perdendo a sensibilidade, e só se dá conta de como estamos assustados quando nos afastamos por um tempo daqui, e parece que relaxamos, nos humanizamos.
Adorei o versinho do Hugo. Mas, acho que meu favorito entre os versos de Hugo é O sonho de Booz (já não sei mais o nome direito) com uma das mais belas imagens da lua que já li. Só que, minha memória me trai, e eu já não posso citar o verso tão lindo. Leiam o poema, vale a pena procurar. É longo, descritivo, comovente. Victor Hugo nos seus melhores momentos. Eu, no entanto, sempre adorei seus romances, que li lá pelos onze ou doze , idade mesmo certa para ler 93, Os miseráveis, O corcunda de Notre Dame. Quando, depois, li O perfume, só lembrava das descrições do Pátio dos Milagres e de sua mistura de seres sub-humanos. Nesta época também li Dickens. David Copperfield, para ser mais precisa. Li mais de uma vez, esse livro, saboreando ora um ora outro personagem. Uriah Heep, Mr. Micawber, Dora... Ah, se eu tivesse um centavo pelas lágrimas que já derramei lendo... David Copperfield e Amor de Perdição devem ter sido os que mais me fizeram chorar.
Acabo de receber o presente de um escritor uruguaio que conheci outro dia, na Argumento: Diego Bracco. Ele me mandou seu romance, María de Sanabria, chefe de uma lendária expedição feminina que atravessou o Atlântico, saindo da Espanha e com destino ao Rio da Prata. Ai, a minha pilha de livros. Que loucura! Está cada dia maior. Mas vou ler, é só ter um pouco de calma. Amanhã parto para SP, para um casamento, e aproveito para ver Hamlet. No avião, escolherei um livro mais fininho. Desisti do Robbe-Grillet (muito século XVIII demais), terminei o Roth, mas tenho à minha espera Manguel, G. Bernardo, B de Carvalho, Franck, Plosk e agora Bracco e um inédito de André de Leones e outro de A. Tojal. Isso para não falar no Vieira, que está me contemplando sizudamente, com ares de reprovação pelo meu descuido. Tchau, vou ler. E fazer as malas.

Wednesday, September 03, 2008

Literatura e amizade

Vera Helena, leitora e amiga, em seu último comentário tocou num ponto que sempre chamou minha atenção. Quem convive comigo sabe que, volta e meia, falo sobre isso -- a intimidade que se estabelece entre leitor e autor. Quando lemos algumas obras, entramos em tal sintonia com as palavras lidas, com os sentimentos retratados, com as opiniões externadas que passamos a "amar" ou "odiar" o autor.
Tenho alguns autores que me "tocam" como se eu fosse um instrumento -- posso gemer profundamente como um violoncelo, assobiar alegre como uma flauta, ondear em êxtase como uma harpa, sei lá, uma orquestra toda (deixo meu amado piano de fora, pois cada vez me vejo mais incapaz de produzir belos sons no teclado, embora meu incansável professor ache que vou aprender a peça de Katchaturian que ele está me ensinando).
Voltando ao assunto em questão, às vezes fecho o livro e tenho vontade de telefonar para o autor, achando que ele, ou ela, é a única pessoa no mundo que me compreende. Claro que eu não faria isso, primeiro porque sou meio maluca e cada vez uso menos o telefone. Não ligo para ninguém, é uma dificuldade quando tenho que chamar um técnico para consertar uma máquina, ou pedir uma pizza para não morrer de fome. Adoro quando me ligam, principalmente quando é uma ligação para me contar uma coisa. Por exemplo, quando falto a uma reunião, A Rachel me liga para me contar seus comentários, e aí conta coisas, do dia, da semana, dos anos quarenta... podia ficar conversando com ela a tarde toda. Porque a minha loucura é a seguinte: nunca sei se a outra pessoa pode me atender naquele momento, ou se preferia estar vendo novela, ou comendo uma torta de chocolate, ou lendo um livro... Fico atemorizada de que, do outro lado da linha, meu interlocutor fique fazendo aquelas caras de "dai-me paciência, ó Deus, é aquela chata de novo!" para alguém que esteja com ela/ele e eu esteja interrompendo. Acho que sou a única desocupada e solitária que existe no mundo... Sou mais do que maluca.
Volto mais uma vez ao assunto -- imaginem, então, o que poderia acontecer se, por um milagre, eu terminasse de ler um trecho de Proust e, por alguma tecnologia, pressionasse algumas teclas e ele me atendesse do outro lado: já começaria com um problema, pois meu francês atroz iria chocar esse autor absolutamente apaixonado por sua língua natal. E eu aqui, com sotaque, com essa minha inabilidade para falar e minha voz que continua infantil apesar de a infância ter ficado há muitas primaveras atrás, dizendo a ele que tinha adorado o trecho da múmia.
Como? O quê? Quem está falando?
E eu explicando que ele não me conhecia, que era impossível ele me conhecer pois eu estava vivendo no século XXI. Eu não era memória involuntária, era o futuro involuntário dele...
Minha voz, desmaterializada, falando coisas incompreensíveis e ele, como no episódio das telefonistas, se concentrando tanto no som de minha voz que conseguiria ver o que as pessoas com quem eu cruzo na rua não vêem: meu eu verdadeiro, com suas dores, seus temores, suas alegrias...
Ele até se compadeceria de mim, mas como poderíamos estabelecer um contato maior? Homem de outro século, de um mundo já extinto, somente sua sensibilidade e suas palavras sobrevivendo numa teia sutil que se estende de cérebro a cérebro através das idades...
Tento de novo. Desligo Proust e ligo para Mia Couto -- vivo e lindo, desta vez sou atrapalhada pela timidez que o encantamento pela figura do homem provoca. Não importa que eu quisesse agradecer por sentir que ele compreende o que vai dentro de minha alma, e que me estenda a mão e me ofereça esperança mesmo nas páginas mais tristes. Desligo antes mesmo que ele atenda o telefone, e fico sem saber se ele diria "estáaa?"(ou "estou", ou "sim?"), como sei que os portugueses de Portugal costumam fazer ao atender o telefone. Seria diferente o hábito em Moçambique? Penso em ligar para uma mulher. A Inês Pedrosa, talvez. Não -- muito dinâmica, ela não combinaria com minhas hesitações. Só nas páginas dela é que encontro os caminhos que podem nos ligar, sua tenacidade, a linha reta de seu desejo enfrentando ausências e a morte.
Então desisto dos telefones e volto ao aconchego dos livros. Penso no título de um livro de contos do Ian McEwan -- Between sheets, e na sua ambiguidade: sheets podem ser folhas de papel, mas também podem ser lençóis -- um livro é como um leito aquecido, com lençóis macios e cheirosos, onde a gente se sente abraçar por um amante, onde nosso corpo se rasga para trazer ao mundo um novo ser, onde aguardamos que a febre passe, que a dor sossegue, que a morte chegue... Fico entre lençóis e folhas de papel...