Sunday, October 28, 2007

Viagem atribulada

Bem, tinha planos de escrever sempre, de falar com todos e até de trabalhar um pouco. Mas a Espanha e a Telefónica tinham outros desígnios para mim. As conexões wi-fi dos hotéis em que estive não funcionaram. Fiquei sem saber notícias de minha cidade que desmorona aos poucos, mas pude me concentrar nas belezas de Barcelona, de Cadaquès, de Figueres, de Girona, de Tossa de Mar, Lloret de Mar e arredores de Barcelona. Estou em Madrid, numa conexão com fio, aproveitando para agradecer os comentários que só agora pude ler. Aos amigos que me conhecem pessoalmente, obrigada pelo carinho. Aos que conheci aqui através do blog, obrigada pelo estímulo. E esclareço: a Rosalia está na minha bagagem, junto a Suso de Toro e mais outros.Não deu para ler tudo. E eu juro que vou ler, pois folheei e gostei muito. Para deixar a todos com um pouquinho de água na boca, comprei um CD com contos e poemas lidos por Cortázar. Adorável, escutá-lo falando como se estivesse conversando, explicando suas escolhas, e meio que se desculpando por ler. Depois conto mais.
Amanhã retorno ao Brasil. Volto ao meu cantinho, que ainda não está totalmente arrumado. Vou disposta a consertar cadeiras e mesas para poder reunir os amigos, numa inauguração do Cafofo, como diria o MM. Quem sabe uma inauguração temática, com tapas? Tapas e beijos para quem for, então.

Thursday, October 18, 2007

Mimos e meiguices

Descobri que Meiga é o nome que dão às feiticeiras, aqui. Descobri isso na Coruña, pois, no menu do restaurante, havia um peixe com esse nome. O Luciano, um de meus anjos da guarda, leitor de literatura brasileira que me tem acompanhado pela cidade em muitas ocasiões, e foi meu guia na Coruña, me explicou que, além desse peixe, de carne semelhante à do linguado, meiga é o termo que se refere às bruxas daqui. Vejam só que coisa!Acho que assim as feiticeiras, sendo sempre chamadas por esse outro nome, não têm coragem de fazer maldades com as pessoas, e se tornam todas umas fadinhas, voando de giesta em giesta, salpicando de orvalho os arbustos, e afastando as névoas matinais para que o sol volte a brilhar em Santiago. A cidade tem me mimado com esses dias de sol, aqui tão raros. Quando se fala em Santiago as pessoas vão logo pegando os guarda-chuvas, pois sempre "choive", principalmente em outubro. Só que mesmo com todos esses mimos, estou-me sentindo adoecer. Um resfriado, devido a tantas mudanças de temperatura, pois se no sol faz calor, basta atravessar um pedacinho de sombra para a gente arrepiar-se de frio. E um tiquinho de alergia, provocado pelas lãs que a temperatura exige. Acho que ontem tive uma pontinha de febre, mas, como não trouxe termômetro, ela passou despercebida. Apenas mais um pouco de frio, mais alguns calafrios, e muita vontade de ficar na cama, sob as cobertas.
E, mais uma vez, a preguiça me fazendo deixar o trabalho de lado. Mas agora volto ao Mister Pip, que, afinal, não ganhou o Booker Prize, o que me alegra. Sempre gosto muito dos ganhadores do Booker Prize, e este livro me deixou pelo meio da estrada. Parti achando que ia gostar muito dele, mas acabei num outro "sendero", questionando as estratégias narrativas do autor. Vou à resenha.

Wednesday, October 17, 2007

Quiroga e Cadaval

Queria falar desses dois galegos que me conquistaram com sua simpatia e sua arte. O Carlos Quiroga, além de professor aqui na USC é escritor -- romancista e poeta -- e também fotógrafo, e um dos melhores guias que a cidade de Compostela pode ter. Ele é especialista em café: sabe onde estão os melhores cafés (bebida) da cidade e também conhece as livrarias e bibliotecas todas daqui. Já li (devorando) dois livros dele. Um chama-se Periferias e tem um enredo tripartido, um texto é do século XV, outro do século XX e o terceiro é do século XXI. Todos se ligam através da ...linguagem, é claro -- uma preocupação mais que legítima aqui. O outro livro é o final de uma trilogia, e cham-se Retorno a Arder, e se recusa a se deixar classificar, pois é uma narrativa a duas vozes, mas também um livro de poemas e uma coleção de fotos. E tudo se integra, se completa, a imagem se refaz na palavra poética e os textos ficcionais problematizam os desabafos do eu lírico. Adorei. Acabei de ganhar um livro só de poemas, Gong, mas esse vou guardar para depois.
E o Quico?
O Quico é o Cadaval, aquele da peça que assisti, e que me deixou a mim ( e a toda a cidade, pois o teatro está sempre lotado) encantada. E ele é uma figuraça. Divertidíssimo, como aliás, o Mestre Quiroga também, eles me fazem rir o tempo todo, contando suas histórias geniais, ou contando as histórias um do outro. O Quico já andou no Big Brother daqui de Lisboa, era o professor de arte dramática do grupo. Assustou a mulher do Mia Couto, que estava doida para conhecê-lo, pois não perdia nenhuma de suas aparições na TV em Moçambique, pois desandou a contar piadas de ciganos e de passarinhos que fariam Bocage ficar encabulado. Ganha a vida como contador de histórias, e como encenador. Chocou os padres com uma encenação do cancioneiro, pois eles se deixaram perturbar como tamanho do consolo que saía das páginas do livro. Mas é modesto, e doce, e encantador como todos os galegos que encontrei.

Tuesday, October 16, 2007

Pensando em ti

Mesmo longe, mesmo correndo para outra cidade, falando sobre literatura e sobre a língua galega, passo o dia pensando em ti. Com você em meu coração, cheguei até a praia de A Coruña e saudei as ondas, tuas guardiães. Lá de cima do farol, postei-me no centro das rosa dos ventos e para cada um deles sussurei teu nome. Você me escuta? Você se lembra de mim? Existe isso, sons e lembranças aí onde estas? Só não quero que sintas a dor da ausência, deixa que este cálice eu o tomo todo.

Monday, October 15, 2007

Santiago das paixões

Um amigo me escreve (será que posso chamá-lo de amigo, nós que tão poucas palavras trocamos e que tão pouco convívio tivemos?) e me diz que já se apaixonou por Santiago.
Em verdade, em verdade vos digo, é fácil se apaixonar por Santiago, principalmente em dias de sol. Mas também deve ser fácil se apaixonar em Santiago. Para onde olho vejo casais se amando. Talvez porque se trate de uma cidade universitária, talvez por obra e graça do santo padroeiro, como as pessoas se amam em Santiago! Nos parques, imprensados nos muros, nas vielas estreitas, nos ônibus, por todo o lado o amor transborda e eu me encanto com isso. Vá lá, uma pontinha de inveja me dói, mas nada que seja como a maldição de Machado de Assis: um panarício que doa desmesurado e constante. Apenas uma certa melancolia de quem conhece o gosto bom dos beijos nas noites frias e escuras de uma cidade pacata. Ou dos beijos públicos e eufóricos nos parques banhados de sol. As saudades se acendem, mas as lembranças tiram suas arestas, e meus olhos sorriem encantados com tantos amores. Mas há outros amores em Santiago: amores de mães e filhas, que se amparam nas ladeiras. Amores de avós, assustadas com os abismos onde se arriscam os pequeninos. Amores de famílias inteiras, que param para saborear uma torta, deliciosa, cheiinha de amendoas, de onde o pecado da gula foi expulso pela cruz desenhada com açucar. Amores de pais que carregam seus filhos cansados de tantas andanças. Uma cidade pequenina, mas com tanto entra e sai que se torna enorme e variada, Santiago não nos cansa, e nos surpreende, nos envolve, nos apaixona...

segunda-feira

Estou escrevendo num computador diferente, por isso, lá se vao os tils -- nao consigo encontrá-los aqui no teclado...
Hoje mando recados pelo blog - Para o Ernane e a Eugênia, meus beijos e agradecimentos pelos incentivos que recebo de vocês. Para o Amaury, o mesmo. Para o Guido, minhas desculpas, mas tenho tentado entrar em contato com você pelo e-mail, mas algum deus da internet está conspirando contra mim. Ontem tentei mais uma vez. Uma nao, diversas. Só que acho que minhas mensagens nao estao chegando até você. Entao, publicamente, agradeço seu comentário sobre o Borges, que muito enriquece meu blog com seu depoimento pessoal. Imperdível, acho que o melhor de meu blog está no comentário de quem teve a chance de visitar e escutar o velho escritor.
Quanto à "fala", nao se esqueçam que comentei mais do que está no texto aqui reproduzido. Era uma aula, uma coisa mais informal, e a cada autor eu aproveitava para fazer algumas digressoes.
Bem, segunda-feira é dia de volta ao trabalho, e eu estou aqui na universidade para aproveitar e pesquisar um pouco. Segunda-feira, que amanhece enevoada, torna-se duplamente séria. Mas, como Santiago continua benigno e amável, o sol já voltou a se mostrar, e eu retirei um tempinho para os devaneios gálicos. Vamos, entao, às lembranças do fim de semana: missas e música, e muito teatro. Missa cantada, grupo folclórico, música nas ruas. Desde quarta-feira que a regiao tem se prodigalizado a me oferecer todas essas coisas. Mas também tive a chance de ir a duas peças teatrais, excelentes: Shakespeare em galego, para começar, uma excelente adaptaçao de Noite de Reis, pelo Quico Cadaval. E também uma peça 100% galega, Pan (pao, acrescentem o til, por favor) falando sobre os problemas da Galícia, que, segundo um dos 4 esquetes, é uma "puta idéia". Depois conto mais. Agora, volto ao trabalho!

Sunday, October 14, 2007

Entardecer em Santiago

Foi esta a hora. Em outro fuso, talvez, mas a hora foi esta. No entanto, o sol poente não traz as lágrimas e as angústias. Tudo isso se encontra aprisionado em um momento do tempo, imobilizado dentro de mim. Porque, descubro, o tempo pode parar, e para sempre.
Podemos eternizar um momento de angústia e dele fazer um abrigo. Nas chagas abertas, apenas o momento do choque não dói, daí voltar, e voltar, e voltar ao instante passado.
Na praça distante, o presente é um mal-estar. Estar mal sob o sol que arde e faz arder. O sol que enfeita os rostos dos outros com sorrisos de prazer, que ilumina as fachadas com os tons dourados do outono. Todo o mal-estar se encontra aqui, em meu rosto franzido, protestando contra a luz, Nos meus olhos vagueando pelas esculturas da fachada monumental, passeando pelas cores das bandeiras, evitando os rostos tranquilos dos caminhantes.
A hora foi esta e ainda é esta. O corpo se rebela e tonteia, como se o chão faltasse, mas o chão não falta. Está presente nas pedras que se organizam em torres à procura do céu. Desenham arabescos contra o azul do céu, sempre indiferente às nossas misérias. Azul, palavra ou cor, sempre mágica. Azul de tantos tons, tantos matizes, significando sempre algo que não foi ainda dito.
Quanto mais baixo o sol, mais douradas as pedras, mais douradas as árvores, mais dourados os reflexos de vinho nas taças levantadas. Contrastando com o sol, as sombras começam a se desenhar e o vento suavemente acorda as bandeiras para que elas acenem seus adeuses aos que partem.
Ele partiu. Foi essa a hora. E a partida foi súbita. Num instante o riso, no outro o choro.
A catedral se doura toda, celebrando. Uma gaita de foles começa seu lamento,pensando-se canção.
Ele se foi. O vento esfria os derradeiros raios de sol, e inquieta as aves que procuram um pouso na praça sem árvores, agitada de gente. Dentro de mim, o coração bate,violento. Melhor seria dizer que ele se debate e esbarra nos outros órgãos, empurra o estômago, oprime os pulmões. No rendilhado do ferro meus olhos distraem-se das lágrimas. Pedi ao santo uma graça que não me foi dada. Recebo, em troca, uma fachada dourada, com um céu azul e os sons da gaita.
A bandeira do Brasil se abre, única que dança na brisa suave que ainda não consegue esfriar o sol poente. As sombras parecem ter fugido do mundo. Aqui só há sol. A igreja resplandece, dourada. As vozes nunca se calam, o azul não desmaia, o mundo parece em paz. Refletido numa vidraça, o sol me ofusca, me cega. Mais um minuto se escoa, o tempo vai passando vagaroso: são dois os anos que se foram.
Ele partiu. E eu tento reconstruí-lo a cada dia, em cada palavra. E, tal como as pedras que se organizam em torres e escadas tentando chegar aos céus, eu empilho palavras que o reconstruam Será que meus monumentos atrairão a luz do poente? Será que outros verão esses tons dourados crescendo contra um céu azul, descuidado?
Hei de escrever-te até que você se torne mais concreto que minha própria vida. Hei de escrever-te, e por mais que te escreva você continuará sendo o azul por entre as pedras da torre, o azul unindo as embarcações no mar, o azul sustentando o vôo dos pássaros. Mesmo assim continuarei, pois as palavras são tudo o que me resta, por isso, te escreverei.

Botafumeiro

Acho que não contei que vi o famoso turíbulo em funcionamento. Na minha primeira visita à Catedral, o botafumeiro tinha sido retirado, e eu não vi suas dimensões. No dia seguinte, voltei à Catedral, desta vez sozinha e com mais calma, e descobri que o botafumeiro não era tão enorme quanto eu esperava. Ele já estava em seu lugar e, para minha surpresa, ia se iniciar uma missa, portanto fiquei e acabei assistindo a cerimônia. Ia brincar, dizendo cerimônia de insensatez, mas não há nem uma grama de insensatez ali. Tudo é matematicamente preciso e muito cuidado. O turíbulo está preso por uma corda de cerca de um punho de espessura, com uns nós intrincados.
Na ponta usada para balançá-lo, prendem-se seis cordas mais finas, cheias de nós, e é nessas cordas que os homens seguram. Estes homens estão vestidos com capas de peregrinos, ou com umas opas marrons, não encontrei nenhuma explicação. Eles, no entanto, apenas "seguram as pontas". O balanço é provocado pelo padre, ao final da missa. Deve haver alguma ajuda por parte dos seis, mas a impressão é que eles apenas levantam o botafumeiro de maneira a permitir que, com o impulso dado pelo padre, as três roldanas presas no teto criem o movimento pendular. E aí é que se encontra, finalmente, o encanto da cerimônia. Aquele objeto que, parado, não impressiona por suas dimensões, ao voar pela nave se transforma num projétil ameaçador. Ele passa assobiando ao lado de nossas cabeças desprotegidas, chega próximo ao teto da Catedral e retorna embriagado pela vertiginosa velocidade que alcança. Há perigo em sua trajetória, que passa pelo meio da multidão que mal abre espaço para o bólide passar. No entanto, não há notícias de ferimentos graves. Se estivéssemos nos EUA, toda a área teria sido isolada, haveria mil sinais para que as pessoas se afastassem e mais de um milhão de avisos de que a cerimônia poderia causar graves ferimentos nos incautos. Só que aqui todos se recomendam a Santiago e se afastam no último minuto, à procura da foto perfeita. E tudo dá certo. E esse santo encantador, que se deixa abraçar por todos os que aqui chegam, sorri lá do altar, compassivo e saciado. Se um dia seu lado Matamoros acordar, a devastação será tremenda e muitas cabeças rolarão. Santiago, porém, sabe dos incômodos que uma cabeça separada de seu corpo pode causar, e benigno, continua sentado em seu trono, deixando-se abraçar, sorridente.

Saturday, October 13, 2007

Centésima!

Esta, me informa o blog, é a centésima postagem que faço. Coloco então, para comemorar, o texto que preparei para servir de base à minha fala em USC (Universidade de Santiago de Compostela). Como foi uma fala de duas horas, obviamente que não fiquei lendo o que escrevi por duas horas. parti dali para falar sobre os meus autores mais queridos do momento. Achei até um jeitinho de encaixar o Mia Couto, e o Josué Guimarães, o escritor gaucho que dánome ao prêmio que ganhei em Passo Fundo. Vou falar de novo, sobre o mesmo assunto, na Universidade de A Corunha. Portanto, se lembrarem de alguma coisa ou se discordarem do que eu disse, favor avisar. E eu, prá variar, falei muitas abobrinhas a respeito de meus contos, e de mim mesma. Mas isso foi de improviso, e graças a Deus não tenho registro.
Então aqui vai,
A Fala:

Meu nome é Lúcia Bettencourt e estou aquí na USC porque ganhei um prêmio literário da Universidade de Passo Fundo.

Passo Fundo fica no estado mais ao Sul do Brasil, no Rio Grande do Sul. A Galícia está ao Norte de Espanha e é de admirar como podemos nos entender perfeitamente – nao só em termos linguísticos, mas em sensibilidade.

Há muito em comum entre nós: desde as cantigas galego-portuguesas que me fazem desejar ver as “ondas do mar de Vigo” – que, me informam, hoje já não têm nada em comum com as cantadas por Martín Códax – até a alegria e gentileza das pessoas que encontro aquí. Informais, carinhosos, abertos ao diálogo e hospitaleiros, os galegos me conquistaram desde o primeiro contato.

Agradeço a todos os que já encontrei a acolhida tao generosa.

Acredito que alguns aquí tenham tido a oportunidade de ler um de meus contos, “A secretária de Borges”. Este conto dá nome ao meu livro, que também recebeu um prêmio, o prêmio SESC. Nao é graças a este prêmio que estou aquí. O prêmio que me trouxe a esta universidade foi o “Josué Guimarães” que recebi por três contos inéditos, a saber: “A caixa”, “Manhã” e “A mãe de Proust” Creio que a Revista Agalia vai publicar um deles, e agradeço muito o interesse do Carlos Quiroga.

Este prêmio SESC, que começou a ser distribuído em 2003 apenas para a categoria romance, e que em 2005 passou a premiar também a categoria contos, visa a publicação, por uma editora de prestígio e de boa distribuição, como é o caso da editora Record, de autores inéditos em cada categoria. É uma excelente forma de premiação, pois todo autor sabe como é difícil batalhar por uma publicação. Alguns mais tímidos, ou mais covardes, como eu, adiam essa batalha, com medo das cartas de rejeição. Há tantos autores, tanta gente escrevendo, e tão poucos editores que é quase impossível que não se receba pelo menos uma carta de rejeição. Mas o importante é insistir e procurar seu “caminho” -- O meu me trouxe a Santiago, vejam só, e eu nem sou Paulo Coelho nem nada. Na verdade, devo ser uma das poucas pessoas no mundo que nao apreciam as obras de Paulo Coelho. Ele, portanto, nao constará de minha lista de autores contemporâneos já que tenho a liberdade de vir aquí expor o meu gosto pessoal.

Falo, então, dos outros ganhadores do prêmio SESC – O primeiro ano teve como vencedor um romance histórico Santo Reis da Luz Divina, de Marco Aurélio Cremasco, contando a saga da família de Santo, o autor se aproveita para contar a exploração do Paraná – recuperando modos de falar e tradições do passado. No segundo ano, a vencedora foi uma mulher com o romance intitulado As netas da Ema. Essa Ema é a Bovary –heroína do século XIX cuja sexualidade e idéias pouco convencionais levaram-na à ruína e ao suicídio. Eugênia Zerbini resgata suas “netas” e mostra as estratégias de sobrevivência da mulher moderna em nossos dias.

No terceiro ano, o SESC começou a premiar contos e eu fui a vencedora com o conjunto que aquí vocês vêem. Sao dezessete contos de temas variados, mas volto a falar deles depois. Continuo falando de André de Leones e de seu Hoje está um dia morto, romance de formação que comove em sua contundente demonstração de falta de perspectiva que acomete os jovens brasileiros de hoje. Seu romance é iconoclasta e revela que as opções encontradas “sexo, drogas, rock e religião” não são suficientes para a salvação – o único que sobrevive é quem escreve a história trágica dos amigos, indicando que existe, talvez, uma possibilidade de salvação através da literatura.

Este ano os vencedores foram Nereu Afonso da Silva, com seu Correio Litorâneo – uma coletânea de contos muito bem humorada, mas onde o riso se trava por um atento exame dos descaminhos a que o ser humano se vê levado a percorrer; e Wesley Peres, um jovem psicanalista, dono de uma poderosa prosa poética, com um romance de amor e reflexão chamado Casa entre vértebras. Na impossibilidade de escrever a carta que a mulher amada lhe pede, o narrador vai-se construindo em textos densos, líricos e altamente simbólicos.

Como vocês podem ver, o fato de compartilharmos todos o mesmo prêmio não significa, em absoluto, uma uniformidade. Somos tão diferentes quanto os diversos peixes do oceano ou as numerosas aves do céu da Galícia

Isso me leva a dizer que a produção literária contemporânea no Brasil é também diversificada. Talvez mais tarde os estudiosos encontrem um fio condutor dessa geração que abriga nomes como Marcelo Moutinho, Adriana Lisboa, Daniel Galera, Luís Ruffato, Verônica Stigger, João Paulo Cuenca ou poetas como Mariana Ianelli e Henrique Rodrigues. Suas produções se embrenham por estradas diferentes, “senderos que se bifurcan”, como diria Borges, mas todos são caminhos literários, de busca por uma expressão.

Há tantos caminhos quantas pessoas, talvez se pudesse dizer, mas, cada um de nós não hesita em reconhecer dívidas com relação a escritores que nos antecederam. Mia Couto, autor moçambicano de minha predileção, reconhece abertamente suas dívidas com relação a Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Raros são os autores que não se deixaram “emprenhar” por suas leituras. Alguns, como Verônica Stigger, seguramente revelam sua inspiração pela arte visual e pelas convenções dos vídeo-clipes e das revistas em quadrinhos. Com uma obra muito diferente, até repulsiva, em alguns casos, mas cheia de humor, ela procura um caminho novo ainda por explorar.

Mariana Ianelli (Almádena) e Henrique Rodrigues (A musa diluída), para citar dois excelentes poetas, buscam nos textos clássicos sua inspiração, não apenas formal, mas até temática. Enquanto uma cria uma poesia vigorosa e dialoga com os clássicos num discurso elevado e denso, o outro, como o título indica, dilui a inspiração clássica para mostrar que a opção pela cotidianeidade não impede o olhar poético.

Marcelo Moutinho, contista, possui um texto fortemente comprometido com um universo popular, onde não existem heróis, ou melhor, onde o maior heroísmo é a sobrevivência. Seu universo de pequenos funcionários e travestis lembram o mundo de Lima Barreto, mas seu lirismo o afasta dessa fonte e o aproxima de autores mais modernos, como Oswald e Clarice. Seu livro, publicado pela Rocco, chama-se Somos todos iguais essa noite, título retirado de uma canção popular, o que demonstra como as fontes em que todos nos abeberamos são variadas – Estamos abertos ao mundo – artes visuais, música, internet, tudo o que nos rodeia vem a ser apropriado por nossos apetites literários.

Chegamos,assim, a um autor como Daniel Galera, cujas primeiras incursões literárias foram livros publicados pela WEB e que acabou sendo descoberto e publicou seu romance Mãos de Cavalo pela Cia das Letras.

A rapidez do mundo moderno também provoca que os autores dos nossos dias repartam seu tempo entre escrever e organizar volumes de antologia ou séries de romances como é o caso de Ruffato, que todos aqui já conhecem, e do Cuenca. Aliás este último está lançando seu romance O dia Mastroianni (Agir), e, apesar de não conhecer o texto, afinal está sendo lançado hoje, posso apostar, e acho que vocês também fariam o mesmo, que tem a ver com o cinema...

Demonstrando que a globalização toma conta de todos nós, não são poucos os autores que, como Adriana Lisboa, procuram em lugares e autores distantes a inspiração para suas obras.

Espero que esse breve apanhado de autores brasileiros lhes abra o apetite para conhecer o que se está produzindo na atualidade, mas que não se esqueçam de ler, ou reler, autores já consagrados como Alberto Mussa (O trono da Rainha Jinga, O enigma de Qaf e O movimento pendular, todos da Editora Record) e Cristóvão Tezza (com seu último lançamento O filho eterno), e os ainda muito amados Rachel Jardim, Antônio Torres e Helena Parente Cunha. Esses autores, em plena produção, já têm consagração e reconhecimento, e seus novos livros são saudados sempre com alegria.

Agora passo a palavra a vocês – quero responder às suas curiosidades quanto ao conto que leram e me colocar à disposição para responder quaisquer perguntas sobre o que acabo de falar e sobre a minha obra. E igualmente sobre o prêmio SESC, pois está aberto a inscrições também a partir do estrangeiro.

Obrigada a todos.

Promessas vãs

Xente! Até parece que eu sou muito mentirosa, mas não sou não. Tenho tentado postar, mas as coisas se complicaram um pouco, primeiro por causa dos horários peculiares aqui na Galícia. O xantar, que é o nosso almoço, acontece aí pelas três da tarde. A cena, nosso jantar, acontece lá pelas dez da noite. Eu ando meio tonteada com os horários, mas não quero deixar de participar de nada. Então fico com uma "dupla xornada": os horários matinais, a que estou habituada e os noturnos, sustentados por muito café e bons programas. Se estou me divertindo? Claro! Para começar, eu sempre me divirto. E depois, porque tenho tido muita sorte. Os dias estão lindos, a temperatura quentinha, de dia faz até calor. As pessoas são formidáveis, a cidade é linda e cheia de coisas diferentes para fazer. E há o tal do "clima"de Compostela, onde os sinos nunca param de tocar, e onde as pessoas chegam a todo o momento dos mais improváveis lugares, e todas as que chegam acreditam em alguma coisa transcendente. Acho que sou a menos mítica das pessoas prsentes aqui. Tão pouco mítica que meu computador, revoltado, tem se recusado a trabalhar para mim. Algumas vezes é por causa da rede wi-fi, que se revela inconstante e fugidia. Outras é porque ele se recusa a se recarregar em certas tomadas...
Só sei é que, quando ele me esnoba, trato de ir fazer outra coisa. Vou passear, por exemplo. tudo me chama lá para fora, desde o sol do entardecer, que doura tudo em que toca, até a música que não cessa. E acho que é isso que vou fazer. Depois eu conto da minha "fala" na USC e de minha ida a Finisterra, ou Fisterra, como dizem por aqui.
Entom, até breve. Acho que xa estou falando galego, mas nom tenho muita certeza. Só aprendi unha ou duas cousas, como o "x" e o "unha", além do "nom" e da facultade de filoloxia, e e também do som de TCHE do ch.

Wednesday, October 10, 2007

Santiago

Meus leitores devem estar achando que virei a bela adormecida. Fiquei em casa sonhando até hoje? Não. Andei arrumando a casa, que já está, aparentemente, sem caixas (mas que ninguém se aproxime do quarto de empregada, pois lá está toda a bagunça.
Quando voltar, chamarei os amigos para comemorar, embora esteja sem cadeiras, pois todas estão quebradas e precisam de conserto e de palhinha.
Mas não quero ficar dando notícias disso: o importante é que já estou em Santiago de Compostela, que me recebeu com um por do sol espetacular. Vou sair e tirar fotos e prometo fazer posts diários.
Então, até muito breve.