Monday, March 19, 2012

Dor no coração

Moro num andar alto. De minha janela posso ver vários telhados e é num desses telhados, de um prédio não tão alto quanto o meu  (mas que deve de ter uns 12 andares) que desde sexta feira estou sendo sistematicamente torturada por alguns trabalhadores que se movimentam sem nenhum tipo de equipamento de segurança. Na primeira tarde, um cara, solitário, se debruçava para chamar um outro, que nunca lhe respondeu. Pelo que posso ver, os homens no telhado são jovens, entre 20 e poucos e 30 e poucos anos. Têm uma vida inteira pela frente. Mas são completamente indiferentes a isso. O solitário andarilho do telhado da semana passada hoje tem um companheiro nas suas lides. Agora há pouco, os dois se movimentavam no parapeito, andando de um lado para o outro, sem nenhuma corda, cinto ou rede de segurança.
Na sexta feira, a cada chamado, meu coração se encolhia todo e doía, apavorado. Tinha vontade de gritar para ele tomar cuidado, mas estava com medo que o meu grito o assustasse e ele despencasse lá embaixo. Vesti-me e fui para a rua. Sábado e domingo eles não trabalharam, mas hoje lá estão eles. Não sei o que faça. Vou sair de novo, e pedir ao meu porteiro que avise o síndico do prédio ao lado. Ficar aqui em casa vendo esses dois desafiando a sorte faz meu coração doer. Literalmente.
Só mais uma coisa:
Hoje fui ao centro da cidade e ao saltar do ônibus, em frente ao Fórum, me vi arrastada por uma multidão que ia em direção à Igreja de São José. Hoje é dia de São José, e eu coloco aqui meu salve a todos os pais de família. Um santo simpático, o pobre carpinteiro, que acolheu a jovem grávida e, devotado, criou seu filho da melhor maneira possível. O que me deixou contente foi ver aquela simples crença popular, uma devoção feita de flores e santinhos, de idas à Igreja e portas abertas, acolhendo a todos. Hoje, que lastimo ver as Igrejas se cercando de grades, de portas semicerradas, horários restritos, ver aquela festa me deixou alegre, com vontade de participar e de rezar um tantinho. Rezo em público pelos pais de família que me fazem tanta falta, e desejo que meus filhos possam amparar e orientar suas famílias com carinho e compreensão. Ofereço-lhe uma flor, metafórica que seja, acendo-lhe uma vela, virtualmente, e relembro, com saudade, o colo que me falta, o olhar de aprovação, o semblante severo que vigiava meus caminhos, para que eu não me desviasse. Agora sigo por minha conta. E pensar nisso me provoca mais dor no coração. Literalmente.

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