Sunday, January 20, 2013

Viva São Sebastião

Ontem, conversando com um amigo espanhol, relembrei a primeira vez que vi fogos fátuos. Alguém ainda sabe o que é isso? Quando era garota, todo mundo (no meu pequenino universo de filha única) sabia. E até conheciam sinônimos para o fenômeno – fogo de santelmo, por exemplo. É que quando era pequena, naquele meu reduzido mundo, falava-se muito em fantasmas. Custei a perder o medo deles,  cheguei mesmo a pensar que ia ter medo para sempre, até que um dia… Meus fantasmas se desvaneceram. Na verdade, até conjuro alguns, mas eles me esnobam, nenhum me aparece. E, justiça seja feita, nenhum jamais me apareceu, embora eu vivesse num mundo que parecia inspirador às obras de García Marques. Na verdade, quando li Cem anos de solidão, só fui me dar conta de que o livro se classificava como realismo mágico na Faculdade. Em minhas leituras era apenas um bom livro. Realista. Regionalista, talvez. Mas aquele universo narrado era muito próximo daquele em que eu habitava, onde cadeiras de balanço se balançavam sozinha e uma bisavó, ocupada em bordar sua própria teia de Penélope, comentava com um suspiro: Ah, seu bisavô sempre vem se sentar em sua cadeira predileta nestas tardes de vento!… Ele continua igualzinho, garboso, em seu lindo uniforme. Um dia, talvez ela tenha soltado um grito ao olhar para a cadeira: Ai! A farda manchada de sangue! Agora é o fim! Sei que ele não voltará, e esse também é o meu fim!
Naquele meu país da infância, caixas preciosas guardavam ossos queridos, escondidas em prateleiras do armário. Esquecidas as caixas, os ossos apareciam em meio a faxinas, e causavam comoções. Algum habitante mais moderno desejava se livrar dos despojos, mas as avós os proibiam: Hão de ser de algum antepassado!, avisavam. E as estratégias eram planejadas, incluíam visitas a cemitérios e esquecimento de sacolas, ou exéquias em bosques não muito distantes. Uma das caixas, com ossos pequeninos e frágeis, foi enterrada num enorme jarrão de plantas na área de serviço. Um esqueleto completo, pequenino, de algum cachorro ou gato de alguém que não se conformou em se separar do amiguinho…
Na verdade, os bichos de minha família foram (suponho) mais amados que os próprios parentes consanguíneos. Havia uma coleção de animais empalhados e empoeirados, ressecados, com dentes à mostra, penas sem lustro, espalhados pelas estantes, dentro de armários, sobre aparadores. Herdei esse "gabinete de curiosidades", herdei as caixas de pó de ossos, herdei as cadeiras auto-impulsionadas, mas não herdei as memórias nem os fantasmas. Herdei pequenos escrínios com dentinhos e cordões umbilicais ressecados, amarrados em fitas descoradas. Herdei brinquedos quebrados, fotos apagadas, dedicatórias que não identificavam pessoas, mas sentimentos. Ao Nonô, da sua Iaiá,  20/09/1823, nas costas de um cartão onde os traços apagados não mostravam mais nada além de uma sugestão de cores. O que fiz com esses mementos? Encerrei-os em outras caixas, grandes caixas de mudança, que ficaram em guarda-móveis, em depósitos, em garagens, em outros guarda-móveis…
Outros mementos se foram, depois de virarem brinquedos por algum tempo, e de se estropiarem. Outros se desfizeram, por obras de traças e cupins, enchentes, pequenas catátrofes.
Mas, apesar de todos esses despojos, só fui conhecer os fogos fátuos em San Sebastián. Nenhum medo, só deslumbramento. E para sempre a associação do mistério com o pobre santo flechado. No meu universo, a história do santo se misturava à de Estácio de Sá, e eu achava que nossa cidade tinha sido fundada por um santo-martir, que perecera numa luta renhida contra os índios que tinham se aliado aos franceses. Corrigi a história, por boa aluna. Sei que meu querido Rio de Janeiro comemora seu aniversário apenas em 1º de março, e que o santo em questão é de outras paragens distantes. Nascido na França – em Narbonne –, depois cidadão de Milão, vai ser guarda de Diocleciano que, ao descobrir que ele era cristão, condena-o à morte, por flechas. Só que o jovem não morreu das flechadas, nem de ser atirado ao rio, de onde foi socorrido e cuidado por Santa Irene. E ele volta a se apresentar ao imperador,  que desta vez manda matá-lo de pancadas e atirar seu corpo no esgoto. Desta vez, o pobre não escapa e seu corpo é resgatado por Santa Luciana, que, após limpá-lo, lhe dá uma sepultura decente nas catacumbas. Mas, o venerável, divino, sebatós, Sebastião tornou-se santo querido não só da igreja católica quanto da umbanda, e continua vivo no coração dos cariocas. Viva nosso santo padroeiro, que, mesmo tendo nascido na França, lutou ao lado de Estácio de Sá para afastar seus compatriotas daqui desse paraíso tropical. Afinal, com tão pouca roupa, ele tinha que ser um santo tropical, para escapar de mais um flagelo…

Saturday, January 12, 2013

Ano novo, Blog velho…

Desculpe, meu querido bloguinho, mas persisto em te manter, embora não com a assiduidade que deveria. Têm me faltado tempo e oportunidade… Viajo, escrevo, adoeço, procrastino e… já estamos no ano de 2013, numa data também legalzinha: 11/1/13.  Por que legal? Porque são quatro uns e um três. Sei que vocês não vão entender, mas, para mim, tem piada, como dizem os portugueses.
Hoje de manhã, adoentada, fiquei na cama, zapeando… Primeiro vi um clipe do tal coreano, com sua música que me parece falar de uma corrida de cavalos. Que dança é aquela, gente? E faz sucesso, eu mesma falo mal, mas gosto. Só que cansei e fui para outro canal, onde estava um filme do Mazaroppi. Descobri que as raízes da dança coreana estão no andar do Mazaroppi (ou seria Mazzaropi?). As pernas abertas, o braço levantado, aos arrancos. Se a trilha sonora fosse coreana, ele estaria mais do que atual. Mas a trilha sonora era Angela Maria, cantando Feliz ano novo, adeus ano velho, que tudo se realize… Sempre pensei que isso era um jingle comercial, e agora descubro que era mesmo uma música que se cantava em "festas" de asilo para velhos, onde todos, felizes, acompanhados de suas famílias e de seus médicos que não faltavam a plantões, comemoravam o Natal enquanto a velhinha abandonada por seu filho exalava o último suspiro…
"Para os solteiros, nenhuma esperança perdida" - repetiu a cantora, pelo menos três vezes. "Para os casados, nada de briga"… Prefiro parar mesmo no "muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender!". São infinitas as possibilidades de quem tem dinheiro no bolso e saúde. Podemos ir ao cinema, ao teatro, sair com amigos, fazer um brinde pelo aniversário da amiga, etc. Quando falta uma das coisas, a gente fica em casa, sem posição, assistindo videoclipes e falando bobagens para si mesma, escrevendo desatinos e olhando lá para fora, tentando decifrar o voo dos pássaros.
Despeço-me então, e juro que pretendo voltar a escrever antes da próxima "data legalzinha", que, no meu entender seria o dia 31/1/13. Então, tá. Volto logo. Ou antes tarde do que nunca. Só sei que volto. Espero que meus leitores também!