Sunday, October 09, 2011

Dai a Antônio o que é de Antônio…

Eis que me vejo fascinada por uma bela moeda de ouro de outros tempos! Isso graças ao meu querido amigo Antônio Carlos Secchin, que entrou para a Academia Carioca de Letras, ficando já não sei quantas vezes acadêmico.  Recebido com um belo discurso, em versos, pela extraordinariamente bela Stella Leonardos, ela fez referência à moeda preciosa de seu nome. E eu, de repente curiosa, fui procurar uma imagem que me revelasse seu valor estético.
Quando pequena fui a feliz proprietária de alguns volumes de um velho Larousse. Num dos volumes, as letras me permitiam verificar "costumes", e eu via os vestidos medievais de nobres e plebeus, passava pelos exageros barrocos, chegava às amplas saias do romantismo, aos rendilhados espartilhados da Belle Époque,  aos cortes masculinizados e sóbrios do pós guerra. Era ali que buscava inspiração para vestir minhas bonecas de papel, uma das minhas brincadeiras favoritas. Em outro volume, podia verificar as moedas, e me espantava com sua variedade. Materiais diversos, tamanhos diferentes, praticamente todas eram redondas (quase, nada de muita precisão nas moedas antigas) Me abismava olhando para os pequenos círculos que deviam ser depositados sobre os olhos dos mortos, ou sob suas línguas). Nem mesmo no outro mundo a gente podia sobreviver sem um dinheirinho! O que faria eu, criança, que não possuía um tostão de meu? Me tranquilizava, dizendo que criança não morria. E caso eu morresse, como a pobre vendedora de fósforos da história, talvez algum escritor tivesse piedade de mim e colocasse uma moedinha entre meus dedos enregelados.
Gostava de ver seus nomes engraçados: Dracmas, Patacas, Pesos, Escudos, Florins, Ducados e Sequins. E minhas preferências recaíam sobre as moedas de ouro, principalmente as brilhosas, polidas e meio gastas pelo manuseio.
De uma peça que vi bem jovem, lá no Teatro Maison de France, e cujo nome e história sequer me lembro, mantenho entesourada a imagem do Paulo Gracindo vivendo o papel de um judeu, apaixonado por suas moedas, que ele acariciava e guardava com volúpia.. Moedas cenográficas, sem dúvida, mas brilhantes, atraentes, aparentemente mais valiosas do que nosso dinheiro, que tinha virado tirinhas de papel sujo, carregando mensagens de amor, algumas, ou orações pedindo a multiplicação das notas, outras.
Nas fantasias de cigana, comuns durante a minha infância, usavam-se colares cheios de moedas, que tilintavam sobre as saias coloridas e emolduravam os rostinhos pintados, presas nos lenços de cabeça. Infelizmente, nunca me fantasiei de cigana. Mas cheguei a ganhar algumas moedinhas de chocolate. Mais uma vez, minhas preferidas eram as douradas, embora o chocolate que as recheavam fossem ruim em qualquer versão. Mas era uma alegria ganhá-las, embora, geralmente, eu as guardasse avaramente, segurando-as na minha mãozinha quente de criança até que elas desmanchassem com o calor e se desfizessem, para minha tristeza.
Uma vez ganhei de presente uma libra de ouro. De verdade, linda e brilhante, minha avó transformou-a num pingente e colocou-a em um cordão de ouro que nunca cheguei a usar. Acho que foi roubado, tal como a pulseira com quinze figas de materiais diferentes que ia ganhando, a cada aniversário, de meu avô. Essa cheguei a usar, e muito lamento a perda. Cada uma das figas tinha uma história, e era um sinal de proteção. Bem que eu gostaria de ter quem me protegesse, agora…
Foi assim que mergulhei no mundo da numismática, no Google. E lá estava a foto, frente e verso, do lindo sequim de ouro. O doge Antônio Venier ajoelhado frente a São Marco, numa imagem cunhada nos idos de 1382.  Como traziam a imagem do doge, também eram chamadas de ducados. E tinham o mesmo valor das moedas florentinas, pois o valor era estabelecido pelo peso e tamanho. Diferenças só nas imagens de umas e de outras e no prestígio, pois em certo momento os banqueiros florentinos  emprestaram aos florins de sua cidade um prestígio que se revelou nas cópias feitas pelo mundo afora. Até no Brasil foram cunhados (creio que os devemos aos holandeses).


Mas vejam se essas belas moedas não merecem minha homenagem, mesclada aos parabéns que desejo a meu amigo e poeta. Confiram as imagens do Zequino e do Florim que pesquei no mar virtual que nos envolve. E que Antônio receba o que é de Antônio.

Friday, October 07, 2011

Ao mestre, com carinho

Mais uma homenagem ao Steve Jobs. Uma macã, com amor, para o mestre.
Ontem, minha amiga Angela Dutra de Meneses reclamou que, em meio a todas as eulogias, ninguém teve coragem de dizer uma das coisas mais óbvias sobre ele: ele foi lindo! Realmente, em meio a todos os nerds e geeks, ele parecia o mais saudável, o mais belo, o mais audacioso. Um pop star da computação. Tanto que todos os comentários o associam mais ao marketing que à computação de dados, como se, para saber computação, o sujeito tivesse que renunciar ao charme. Não sei, só sei dele quando ele aparecia anunciando mais algum produto incrível da Apple, mais um "must have" que a companhia criava. Mas o imagino ainda jovem, com o xará, numa garagem da California, nos primórdios. Que ele devia entender alguma coisa de computador, lá isso devia.
E, mais tarde, com que charme e desenvoltura ele aparecia, cada vez mais magro, perdendo a cabeleira, fazendo brincadeiras com relação aos boatos sobre sua morte. Um moderno gladiador, enfrentando uma luta que não descansava. Um belo exemplo, o cavaleiro negro, predestinado. Suas origens inspiram, suas vitórias inspiram e até mesmo sua morte inspira.
E se ele foi grosso, sarcástico, impiedoso segundo alguns, para outros foi extraordinário, genial, um grande líder. Não o conheci, não li sobre sua vida mais do que algumas poucas linhas em jornal, mas lamento sua partida. Muito cedo. Minhas perdas também ocorreram assim, muito cedo. E eu me pergunto, sem esperar nenhuma resposta, por que é que outros, inúteis ou ridículos, ou mesmo danosos e perigosos, continuam vivendo enquanto essas gemas raras partem tão cedo???? Por que nadas, zeros à esquerda, têm uma saúde de titânio, indestrutível, enquanto outros, geniais, trazem essa limitação genética? O negócio é seguir o conselho do próprio Steve Jobs e ligar os pontos. Pode ser, que em algum momento, essa mixórdia que é a vida faça sentido.

Thursday, October 06, 2011

Pesadelos

Abro o jornal e vejo a foto do Steve Jobs. Morto. O mundo ficou um pouco mais pobre sem ele. Queria saber o porquê dessa sensação de luto que me invadiu com a notícia. Meu contato com ele é só através deste meu Mac, do meu iPhone, meus brinquedinhos de menina grande. E uma grande torcida para que ele se recuperasse, para que ele sobrevivesse a essa doença odiosa, que me parece ter inteligência  própria e zombar de nossos canhestros e agressivos meios de combatê-la. Perdida esta batalha, meus olhos se entristecem e procuram fugir dessa tristeza. Viro a página e outro assombro me assusta: o casamento da duquesa. Existiria um rosto por trás daquela máscara?
Proust, meu querido autor, é chamado por alguns de "especialista em duquesas". Na verdade, elas foram as top models da época, com seu charme, suas jóias, seus salões iluminando as noites da Belle Époque. E, foi a partir de beldades como as que conheceu nos salões que o autor frequentou que o narrador criou sua fascinante e impertinente duquesa de Guermantes, que reinou até sobre as princesas de sangue real. Se ele estivesse vivo, sem dúvida estaria acompanhando as marchas e contramarchas deste casamento da duquesa de Alba. Só o nome já me transporta: espero logo ver um quadro de Goya, com suas cores quentes, com as jóias que enfeitam e aprisionam seus retratados. Nada me prepara para o que vejo: uma face em papier-mâché, moldada por uma criança sem capricho para uma festa de dia das Bruxas. No entanto, minhas leituras de Proust deveriam ter me preparado para essa visão: o baile final a que o narrador comparece revela exatamente a mesma coisa desta foto: pessoas que, somente sabendo viver das aparências e dos valores externos, envelhecem como caricaturas de si mesmas. Incapazes de aceitar a passagem do tempo, de incorporar as mudanças de valores, elas continuam se comportando como há vinte, trinta, cinquenta anos atrás. E dançam flamenco em suas festas de casamento, ou fazem trejeitos considerados charmosos no século passado, ou se enganam com amores tão naturais como flores de plástico.
Resolvo vir escrever, deixar que essa minha incredulidade se escoe e que esses sonhos ruins se afastem. E penso no barbante da Cora: o barbante com que aprendi a fazer tapetes de crochê, que fizeram xales e bolsas, tantos trabalhos manuais ensinados pela minha avó. E no papel de pão, sem cor e sem graça, trazendo o pão nosso de cada dia, frente ao papel cor de rosa, com barbantinho colorido que trazia para nossa casa delícias compradas na cidade pelo vovô. Rissoles, coxinhas, empadinhas que tanto amei e para as quais hoje torço o nariz, achando tudo muito grosseiro, muito engordurado… Eu, que me habituei a comer sushi e ceviche, que peço grelhados e elogio o pobre chuchu, já me horrorizei com a possibilidade de ter de comer peixe cru e bifes sem molho.
Recordar é viver? Ligar os pontos do passado para ver o sentido da presente, seria esta a receita? Ou será melhor, como a duquesa, viver num eterno presente, esquecer o próprio rosto e aprender a se reinventar?
Não há fórmulas, eu sei. Um pouco de cada coisa, talvez seja o melhor, para que a morte não nos pegue de surpresa no meio da festa.

Tuesday, October 04, 2011

De livros e helicópteros

Pena que minha imagem seja pequenina, mas trata-se do edifício de uma biblioteca nos EUA. Não é dos mais criativos, mas é um dos que mais me agradam. Volta e meia recebo essas apresentações que nos mandam pela rede, com coisas curiosas. Recebi, por exemplo, uma série de fotos da flor papagaio, que floresce na Tailandia, segundo me explicaram, apenas uma vez por ano. Uma flor disfarçada em pássaro. Falta-lhe o voo, sem dúvida, mas talvez ela compense essa falta com algum perfume que venha voando até nossas narinas. Não sei.
Já recebi, algumas vezes, essas imagens de edifícios curiosos ou das bibliotecas pelo mundo afora. Gosto de ver uns e outros, assim destacados, imobilizados na tela, com suas cores e silêncios. Pois, por alguma birra, meu computador nunca executa o fundo musical (o que provavelmente pode ser uma bênção)
Ali fico eu, olhando as imagens e revisitando alguns, ou visitando outros. Não conheço esta biblioteca redundante. Mas, sempre que vejo seu retrato, me lembro da biblioteca de NY, com seus dois leões de pedra, Patience and Fortitude. Eles prometem me proteger enquanto eu estiver distraída ali dentro. Posso perambular segura pelas obras, mergulhar no mar de histórias ali represado, pois os leões da entrada velam por mim. Gosto muito deles, do prédio robusto e pesado, das árvores e do parque ao seu redor. Até o burburinho da cidade movimentada me tranquiliza. Todas aquelas obras, lá dentro, existem apesar do caos de fora. Existe salvação para a humanidade!
Mas os barulhos de minha própria cidade me inquietam. Hoje estranhei a presença de um helicóptero insistindo em despertar a todos no Leblon. Eu acordo cedo e não tenho ouvido esse ronco fora de hora, por isso não entendia o que ele anunciava. Foi a TV quem me avisou que aqui, ao meu lado, um bueiro ameaçava explodir, soltando uma fumaça lúgubre bem em frente ao Banco do Brasil. E o helicóptero desempenhava sua função de vigia, olhos bem abertos tomando conta não apenas do trânsito mas de nossas pequenas ou grandes tragédias anunciadas. Depois, quando saí, vi primeiro o Corpo de Bombeiros e mais tarde os funcionários da Light e outro da CEG. Uma equipe abria um buraco do lado de lá da rua, a outra do lado de cá. Indiferentes, os homens nem usavam máscaras, nem proteções especiais, transformando a ameaça em rotina. Voltei para casa e me abriguei na minha própria biblioteca, entre as páginas de um livro. Velando por mim, as miniaturas de Pacience e Fortitude, e o olhar carinhoso dos retratos…