Sunday, November 29, 2009

Vento forte

Li, há muitos anos, um romance que me apaixonou, Vento forte, acho que do Astúrias. Fiquei tão encantada, com um sentimento de embriaguês, de intoxicação, contaminação, não sei bem explicar. Só sei que alguns livros que lia me provocavam essa sensação, e a certeza de que eu queria escrever e provocar esse sentimento nos outros. Há pouco tempo tentei reler esse livro. Não consegui sair das primeiras páginas. O que se passou com o livro, ou comigo?  
Quando tinha uns 15 anos, adorava sair nas horas que o vento estava soprando forte. Ia caminhando a favor do vento, meio que carregada por ele, quase que voando, ou caminhava contra o vento, num esforço do mármore que deseja ser esculpido, e pouco a pouco sentia que aquilo que me sobrava, que não me era essencial, ia se separando de mim, e me deixava precisa, como um verso. Hoje me escondo. O que me separa daquela jovem? Daquele livro? De mim mesma?
Esta madrugada ventou muito. Eu estava acordada, olhos abertos na escuridão, escutando os uivos do vento e pressentindo os tumultos que ele provocava. O vento bateu em minha janela, assobiou, cantou me chamando, mas não atendi. Fiquei covardemente enrolada nos lençóis vermelhos de minha cama, sangue derramado inutilmente.  De manhã, os sinais da batalha perdida: vasos derrubados, a cortina da sala pendurada do lado de fora da janela, papéis esparsos. No seu despeito de amante desprezado, o vento só partiu depois de mostrar um pouco de sua fúria. Como todo amante, a ternura que outrora nos uniu impediu que ele provocasse danos mais extensos. Mas me sinto ferida e frágil. Minha alma, tal como o mar, está cinzenta, turvada. Confusa, mal consigo funcionar. Trato de colocar a casa em ordem, lentamente. Os planos que tinha para esta manhã ficaram relegados para outra ocasião. Nada de Primavera dos Livros, recolho-me, encolho-me. Em meus olhos, uma ameaça de chuva. Sim, tenho vontade de chorar, mas não choro. Me nego à vida.

Mudando, como o vento, uma pequenina observação. Meu blog é feioso, eu sei, mas o da Julie Powell também é. Isso me anima.

Saturday, November 28, 2009

Agora, Brasil.

Estávamos no quase. Uma palavra que pode ser altamente decepcionante, ou extremamente instigante. Este quase da história do Mia é comparável ao "entrelugar", ao gatilho da ficção.  Mas imaginem a cena entre dois namorados:
 –Gostou, amor?
–Quase…
Não sejam maldosos, o cenário que imaginei é a saída do cinema. Os dois pombinhos tinham ido assistir o filme que mais se discute atualmente: Lula, o filho do Brasil. 
Não vi o filme, por isso não posso dar minha opinião. Mas posso deixar aqui a opinião de leitora das críticas –abundantes– do filme. Quem se destaca ali é dona Lindu, aquela que nasceu analfabeta, lembram? Interpretada pela Glória Pires, virou unanimidade. Todos gostam dela. Daí que lembrei de uma campanha eleitoral dos nossos manos portugueses, e faço uma paródia: "Dona Lindu ao poder, já que o filho dela já lá está!"… É isso aí: é quase engraçado.

Antes de colocar o ponto final, agradeço ao encorajamento do Ernane e do Márcio. Obrigada a vocês dois, obrigada a todos vocês que me lêem, aos que me deixam mensagens. As suas palavras me dão forças e alimento.

África e Brasil

Ontem fui à Travessa (quando é que não vou à Travessa, ou à Argumento? – fica meio estranha essa crase na frente de palavra feminina, mas subentendam "livraria") Bem, mas fui lá para escutar dois escritores a quem muito aprecio: Mia Couto e Agualusa. Antes de falar qualquer coisa, divago sobre os nomes portugueses: como são especiais! Morei em Portugal por alguns anos e lá aprendi, com meu marido, a gostar de hockey. Pois o goleiro do time chamava-se Ramalhete. Não é o máximo? Tenho um amigo cujo nome de família é Telhado. Há um jogador de futebol chamado Pato. Dentre os escritores os nomes também continuam esta tradição: Mesmo aqueles que nos parecem comuns devido ao costume, como Eça e Pessoa, não têm nada de comuns. Alguém conhece outro Eça? E algum Pessoa mais ironicamente multidão que o poeta? E o que dizer do Saramago? Do Luandino? E dos ditos Mia e Agualusa? Impressionante, não? 
Voltando a meu ponto de partida, fiquei encantada com o bate-papo dos dois. Desta vez a estrela era Agualusa, que lançava um livro: Barroco tropical. Eu não ia comprar, pois pensei que era um estudo sobre o barroco e não quero estudar mais nada, mas aí descobri que era um romance. Acabei comprando, claro. Gosto do Agualusa desde muito tempo, quando li O vendedor de passados. Depois tive uma crise de ciúmes, quando li um conto dele chamado "O inferno de Borges". É que na época  eu ainda não tinha publicado minha secretária, e ficava com medo de "gastarem" meu Borges. Ontem achei graca na veemência com que ele defendeu sua Osga, contra as comuns Lagartixas. Talvez por estar ao lado de um biólogo, ele fizesse tanta questão das singularidades de sua criatura. Agora vou ter que descobrir quais as diferenças entre osga e lagartixa, que ele afirma serem tão diferentes quanto ele e Mia Couto, embora todos os confundam. 
Mas, é claro, aquilo que eu queria ouvir, não me faltou: histórias. Mia conta histórias como ninguém, ele quase que fala em parábolas, e suas histórias são absolutamente encantadoras. Dou um exemplo: a história da cobra que invadiu uma repartição pública e que, além de matar algumas pessoas, ainda cantava o hino nacional durante a noite. Numa terra em que ninguém sabe a letra completa do hino, a cobra não errava nem sequer uma concordância… Pois acaba que um biólogo, chamado para resolver a situação, vê a cobra ser morta e atesta que era uma cobra comum e que não tinha nada de especial. E mostra o cadáver da cobra para os populares, com a pergunta: E então, é esta a cobra? Ao que a resposta do povo foi: Quase…
Há sempre um quase que liga nossa realidade a um mundo muito mais interessante que o nosso. Este quase, esta pitada que nos falta no real, é o que se pode encontrar nos livros do Mia. 
Deixo para falar do Brasil no próximo post, pois agora tenho que atender à porta.
Até breve.

Friday, November 27, 2009

I could've blogged all night…

Fui no Vale Open Air, assistir Julie/Julia, ou o contrário, sei lá. Gracinha de história (e eu sou fã da Nora Ephrom e seus filmes mulherzinha) e uma ótima atriz (Meryl Streep) me fizeram ficar sonhando em ser descoberta através do meu bloguinho… Bah! Até parece que os filmes mostram o caminho das pedras. Mas uma sensação é verdadeira: a de que a gente escreve para um vazio, que não existem leitores do outro lado. A gente sabe que alguns amigos nos lêem, mas é só. Imaginar que outros leitores desconhecidos venham a descobrir o nosso blog – é muito pensamento positivo. Mas, o que aconteceu depois, foi o show de frevo que foi sen-sa-ci-o-nal!
Pena que não houvesse muito público, mas foi difícil deixar de ensaiar uns passinhos de frevo  e impossível não lembrar de meus amigos do Recife. Meu coração vai pairar por sobre a cidade esta noite, subir e descer as ladeiras de Olinda, sem acelerar seu ritmo para não descompassar as cirandas e as outras danças arretadas. Saudades de meus queridos amigos de lá. Fico aqui mandando cheiros, profundos, para todo o povo do Recife. Cantarolando as modinhas alegres, ecoando as risadas gostosas, e lembrando de "Grace Kelly", ou seria outro o nome do carrinho branquinho que me levava para cima e para baixo, em labirintos que não consegui desvendar?
Para quem ainda não foi visitar a edição comemorativa dos dois anos de Histórias Possíveis, aqui vai o endereço, para facilitar. Está parecendo "almanaque do Mickey", cheio de histórias, muito legal. Dê uma passadinha em: historias possíveis

Tuesday, November 24, 2009

Um aviário…

Bem, hoje estive com o grupo da UFF, o Nação/Narração. Na volta, viemos falando abobrinhas, mas abobrinhas sérias, muito literárias. Comecei contando a dita história da galinha, que muito me impressionou e comentamos como galinha é coisa literária: Clarice e João Cabral, Guimarães Rosa, mais barroco, optando pelo peru, garanto que se pesquisarmos encontraremos um galinheiro completo cacarejando nas estantes. É que, se pensarmos bem, galinha é mesmo um bicho que parece feito para servir de assunto – uma ave que não voa, cujo canto não passa de um cacarejo, que passa a vida ciscando o chão, que divide um galo com não sei quantas outras galinhas, e que ainda põe ovo e dá canja… E são feiosas, pouco inteligentes, mas têm os filhotes mais lindinhos. Quem é que não se encanta com os pintinhos amarelinhos, aqueles que eram vendidos na feira e que, nos tempos de Clarice, eram levados para casa para servir de brinquedo a criancinhas que se transformavam, graças às avezinhas, em aprendizes de sádicos? As galinhas emprestam seu nome para mulheres assanhadas, embora, em sua aparência, lembrem senhoras mães de família, gorduchas e protetoras.  Hoje povoam os sonhos de qualquer pepsi, peladas, untuosas, fazendo pole dancing nas grelhas de padaria. 
Há uns 15 anos atrás, encontrei uma mulher que tinha, em seu apartamento, um galo de estimação. Encontrei-a na sala de espera de um veterinário, levando seu galo numa coleira. Tratava-se de um galo garnizé, ela me explicou, por isso ele era pequenininho. Perguntei-lhe se o galo não cantava, e ela me garantiu que cantava, que todas as manhãs ele saudava o nascer do sol em alto e bom som. Perguntei-lhe o que é que os vizinhos achavam dessa cantoria, e ela ofendeu-se, mas respondeu a verdade, que eles não gostavam, mas ela não estava nem aí para o que os vizinhos pensavam. Nessa época eu nunca tinha sido acordada pelo cantar dos galos, mas já conhecia o poema de João Cabral, que adoro. Fiquei solidária com a mulher e com seu galo puxado pela coleira, imaginando os esforços dele para tecer uma manhã em meio aos ruídos da cidade.
O tempo passou e fui para Tiradentes, fora de estação. No hotel, só eu e Guilherme, num quarto gelado e escuro como breu. E, no meio daquela escuridão, os galos começaram a cantar. O sol estava longe de nascer, mas os galos começaram com sua melodia rouca, soltando seu grito enferrujado. Nós dois acordamos, friorentos, sem entender o que era aquilo. Os galos insistiam. Primeiro era só um, que repetia seu refrão. Pouco a pouco ele foi persuadindo outros a soltarem seus cantos. Cada qual tinha sua voz, mas todas eram roucas. Uns soavam bem ao longe, outros pareciam próximos, vizinhos de porta. Tampávamos os ouvidos, cobríamos a cabeça com nossos travesseiros, mas os galos e seus cantos penetravam todas as barreiras, nos tiravam o sono. Comecei a recitar os versos de Cabral, os poucos pedaços que sei do poema Tecendo a manhã. Um galo sozinho não tece uma manhã, ele precisará de outros galos que cruzem os fios de sol de seus cantos… até que a manhã, teia, tecido, se eleve, luz balão. Tudo truncado, eu sei, nunca decoro nada certo. Por fim, estávamos apaziguados, sorrindo no escuro e vendo nossa manhã se entretecendo em nossos risos, uma manhã que se iluminava dentro de nós, como um sonho, trazida pela voz rouca do tear dos galos. E, para que todos possam conhecer ou lembrar do poema de João Cabral, copio ele abaixo, em sua beleza. Muito mais do que uma manhã, trata-se de uma utopia. 

Um galo sozinho não tece uma manhã: 

ele precisará sempre de outros galos. 
De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos.


2


E se encorpando em tela, entre todos, 
se erguendo tenda, onde entrem todos, 
se entretendendo para todos, no toldo 
(a manhã) que plana livre de armação. 
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo 
que, tecido, se eleva por si: luz balão. 


Antes de me despedir, me deslumbro pensando na incrível paciência do Guilherme. Ele adorava dormir, mas casou-se com uma maluca que sempre achou que dormir é perder tempo. Para mim, esse acordar no meio da madrugada para ficar recitando poesia era (e ainda é) um verdadeiro deleite. Para ele, só pode ter sido sinal de muito amor. Então fico aqui, repetindo os versos e repassando lembranças que, entretecidas, se elevam e me levam de volta aos fios de sol de seus braços: meu casulo, meu ninho.

Galinha abnegada

É impressionante como o jornal alimenta minha mente com bobagens importantíssimas! Acabo de ler a notícia (de 50 anos atrás, é bem verdade) de uma galinha de Catanduva que pôs um ovo de 250 gramas. Eles não mencionam tamanho, mas suponho que um ovo de 250 gr. seja alentado. Principalmente porque o recorde mundial anterior estava em 150 gramas. Pobre galinha! Ninguém comenta se a pobre ave sobreviveu a esse esforço que lhe garantiu pelo menos duas manchetes em 5o anos. O que será que aconteceu a essa galinha? Será que, seguindo o destino inexorável das galinhas, acabou num suculento prato de canja? Imagino seu dono, sorvendo o líquido com lágrimas nos olhos, pensando na omelete de um só ovo que ela lhe proporcionava todas as manhãs… 
O que desejo mesmo é inspiração para um conto de Natal, que preciso escrever. Na verdade, já escrevi dois, mas ambos tão tristes que nem tenho coragem de mandar para o editor. Procuro inspirações para um terceiro, alguma coisa alegre e brejeira como o do ano passado. Só que este ano, com os apagões, minha escrita está sombria, tenebrosa. 
À parte esta inspiração, ainda preciso terminar meu conto sobre Dante. Que Inferno! Comecei um que estava saindo tão lindinho, tipo uma carta de amor. Só que fui ler algumas coisas sobre a vida do poeta e descobri que provavelmente sua mulher não o acompanhou no exílio. Droga! Comecei outro, também lindinho, um delírio oscilando entre Gema e Bice, mas precisei parar e agora não encontro mais aquela voz… E, no meio do caminho, uma idéia aqui, outra ali, uma resenha feita, outra por começar, uma proposição de palestra, sonhos de viagem…
Volto à galinha: creio que deveria ficar no choco, esperando esse ovo de Colombo, mas a possibilidade me amedronta e fujo dos deveres. Assim sendo, programo coisas imediatas para fazer, como ir assistir aos filmes e shows do Valeopenair, escutar Mia Couto, ir a espetáculos de ballet e a sessões de vídeo com amigos.  Abnegação comigo não! E penso no dia de Ação de Graças (Thanksgiving) que cai depois de amanhã, penso em dezembro que já começa na semana que vem… Outro ano termina. Menos um.

Sunday, November 22, 2009

Palavras horribilis

Existem algumas palavras verdadeiramente horríveis em português. Vejam, por exemplo, a palavra "meditabunda"; ou, outro exemplo, a palavra "putativa". Numa frase, digamos:
A mãe putativa estava meditabunda, a gente nem consegue entender o que está dito, tanto que as palavras nos provocam o riso ou a repugnância. Há coisas que não consigo pedir num restaurante por considerar altamente impróprias.  Um espaguete a putanesca, não é estranho? Ou aquele outro prato ainda mais inapropriado: punheta de bacalhau… Tenho vergonha até de dizer em voz alta o nome dos pratos. E, não sei se por sugestão ou por verdadeira ojeriza, não gosto nem de um nem de outro. Também não gosto de penne alla arrabiata. Nem mesmo na versão nacional, goela de pato. Penne ou goela de pato, não sou eu que vou pedir uma coisa dessas para mim. Mudando de idioma, há, em Paris e na Bélgica, um prato muito apreciado e, portanto, sempre apregoado nas tabuletas de restaurantes "Mules frites". Abrasileirando (eu sei que são mexilhões com fritas) mas sempre me dá a impressão de que iria pedir mula frita, se acaso eu optasse pelo prato. O que me faz lembrar um almoço para o qual me convidaram, numa praia nos EUA, num restaurante especializado em mariscos. Eu sou meio esquisita com comida, mas sou bem educada e tento disfarçar meu desprazer com esses tais de frutos do mar. Os anfitriões, orgulhosíssimos, nos oferecendo a especialidade do lugar, uma espécie de clam (vieiras?) absolutamente indecorosas, pareciam vulvas (e é daí mesmo que vem o nome). Não sei se a gente merece o céu por esse tipo de sacrifício, mas tive presença de espírito e pretextei uma alergia. Escapei. Mas até hoje me lembro da insólita situação de ver aquela profusão de vulvas sendo sorvidas à mesa, por pessoas seriíssimas, educadíssimas, e muito formais. Pior que isso, só um outro marisco, português, chamado Percebes. Parece um dedo negro, como se fosse de uma pata de réptil, com uma unha também negra na ponta. Me arrepio só de pensar nesta degustação insólita. Outra comida das mais estranhas é a tal de lichia. Parece um globo ocular, uma coisa aflitiva. Porém, se me servem a lichia já cortadinha e sem os caroços, adoro! E se for em forma de caipisakê de lichia, tal como é feito no Sawasdee, restaurante que adoro, entro em êxtase! 
Cada idéia, que me vem à cabeça!… Isso tudo é por preguiça de ir à praia: calor demais, companhia de menos, fico aqui no ar condicionado, escrevendo bobagens, lembrando de besteiras. E imaginando viagens. Estou quase me convencendo a ir para o Egito e a Jordânia. Uma vontade louca! Quem sabe não embarco nessa?

Tuesday, November 17, 2009

Bitches and diamonds are forever!

Tenho andado preguiçosa, escrevendo pouco, e os amigos começam a reclamar (bom sinal!) Hoje aproveito a dica do Guido, com sua historinha da Madona (vejam o comentário ao post anterior) para dar dois dedinhos de prosa. 
Começo por uma auto-gozação: uma amiga, que me conhece, superficialmente, há muitos anos, me disse que sempre fui "construtora de sentido". Fiquei saboreando a frase, até descobrir o famoso sentido. Acho que ela quis dizer que eu sempre fui dada a invencionices. Pois quem conhece meu cotidiano parco deve estranhar tanto assunto como eu arranjo. Minha vida é pequena, já disse que vivo pequenininho, mas penso grande. As coisas que eu faço podem parecer desinteressantíssimas para os outros: Um cineminha, uma palestra, idas sem conta a livrarias (um verdadeiro vício), uma caminhada na praia. Viagens, todas as que posso. Muitas horas na frente de um computador, que, na maioria das vezes se escoam em partidas intermináveis de paciência. Pouca TV, leitura, sempre. Não saio muito, mas gosto de sair. Não convivo muito, mas gosto de conviver. Não falo muito, pois gosto de escutar. E, no entanto, estou sempre com algum pensamento pronto para compartilhar. Quando é que penso assim? Não sei. Talvez enquanto jogo paciência. E, então, começo a contar meu fim de semana, por exemplo, e me empolgo. Falo de um livro que li e meus olhos brilham (é o que me dizem), comento uma notícia de jornal com muita paixão. Dou aulas com entusiasmo, tenho coisas pessoais para dizer, ao invés de repetir opiniões, pura e simplesmente. Isso é o que me dizem. Pois eu até me surpreendo por fazer tanto esforço para pensar o que outros andam pensando também. E estou convencida de que, se me entusiasmo, é graças às sementes que os livros plantam em minha sensibilidade: quem pode ler Ana Karenina sem se entusiasmar com a força descritiva de Tolstói? Meu grupinho de leitura está terminando o romance. Mais umas duas aulas, no máximo três, e teremos terminado de ler o livro, que vai nos deixar saudades. Minha proposta de continuação foi um livro de história "As seis mulheres de Henrique VIII" da Antonia Fraser. Bem, dei muitas opções, e elas votaram neste livro. Vai ser minha primeira leitura "não-literária" com elas, e acho que vou gostar da experiência. Pois agora, ao invés de comentar o texto, vamos comentar o contexto. Mas, talvez seja a grande oportunidade de mostrar para elas (e para mim mesma) as diferenças de estratégia de "construção de sentido". Voltamos, então, ao título do post – bitches and diamonds are forever. Enquanto alguns privilegiam os fatos concretos (os diamantes) outros realçam os modos de ser (as pestes). Na união destas duas percepções é que se consegue ter uma idéia de como era uma época anterior à nossa (ou como será uma época vindoura, no caso, por exemplo, de um romance como 1984, que hoje nos parece quase que profético.) Tomara que a leitura deste novo livro seja tão proveitosa quanto as outras já foram.

Tuesday, November 10, 2009

Deveres cumpridos

Aos poucos vou-me organizando, desbastando o mar de tarefas que me ameaça (ainda, ainda!) impiedoso. Tenho sido heróica, acordando cedo, me disciplinando, e até me divertindo um pouco no meio de tudo isso. Pós-moderna, me sinto multifuncional, fragmentada: vou à praia com texto acadêmico, enfrento a "canícula", como diz o Alvaro Costa e Silva, escutando palestras verdadeiramente deliciosas numa biblioteca tranquilinha em Botafogo. Caminho pela areia, molhando os pés nas águas tépidas e razoavelmente limpas do Leblon. Fujo para tomar um sorvete, com uma xerox de artigo para ler. Invento histórias (possíveis ou não), começo os contos e os abandono, dizendo –Depois! E nem me assusto com a possibilidade de o depois nunca chegar. Se acaso não chegar, não será problema meu, convenço-me. Amanhã tenho SESC. Depois de amanhã também. Vou fazer uma coisa que me agrada: ler um de meus contos em voz alta. Acho isso muito gratificante. No princípio não gostava, ficava meio envergonhada, achava que estava sendo "exibida", como diria minha avó, tão furiosamente mineira e vitoriana, desconfiada de todo tipo de "se mostração", coisa que menina bem educada não fazia. Finalmente me dou conta de que não preciso ser tão rígida comigo mesma. Assim sendo, vou feliz falar com o pessoal do SESC, a quem tanto respeito em seu trabalho pelo Brasil afora, quase que um sacerdócio. E me comovo nos eventos que ficam pequenininhos em dias de sol como os do fim de semana passado, quando o Paixão de Ler, tão legal, estava acontecendo. Pequenininhos mas verdadeiros, intensos, belos. Adorei os dois dias que pude assistir. Vibrei, ri muito (escritor quase sempre sabe ser engraçado), descobri coisas. De quebra, ainda assisti a um lindo Ballet: Dom Quixote. Um encanto a transposição do texto para o movimento. E que movimentos! Uma companhia de ballet para ninguém botar defeito. Viva o corpo brasileiro, que sabe os segredos do ritmo e a beleza dos gestos! E palmas também para os figurinos, tão bonitos. O único senão é o local onde o ballet estava sendo encenado – Como aquele Vivo Rio é feioso e desorganizado! Na saída, sempre um tumulto. Faltam táxis, falta praticidade no vallet, falta paciência. 
Para terminar, só para deixar vocês impressionados, ontem a Madona veio me visitar. Com seus batedores, trazendo Jesus a tiracolo (ela é muito chic, tem um personnal god), ela veio para minha esquininha, alimentar seu corpo sarado e dar de comer aos olhos esfomeados dos curiosos. Mas, Leblon é Leblon. Nem com todos os batedores ela conseguiu atrair mais gente do que a que costuma se aglomerar na frente do restaurante à espera de lugar. Alguns fotógrafos, alguns cachorros curiosos, que contemplavam o movimento com atenção, e um trânsito um pouco mais lento que o costume. Nada que fosse fora do comum. Fechar o trânsito mesmo só no dia do incêndio, bem aqui em frente, que exigiu exibição de perícia por parte do operador da escada magirus. Isso foi na semana passada, ainda na época das chuvas, e numa era pré Madona.
E agora, que jea coloquei o papo em dia, volto ao trabalho, encompridando os olhos para o mar, e avaliando a possibilidade de adiantar as leituras da tese na praia. Será que dá?

Thursday, November 05, 2009

Da necessidade de boa redação

Tentaram me aplicar um golpe, ontem. Bem aqui, na Rainha Guilhermina, um homem e uma mulher acharam que podiam, com sua história mal-redigida, me levar no bico. A atuação estava bem feita, o casting era estupendo, mas o texto deixou a desejar. Muito. Overdose de clichês. Por isso dizem que menos é mais. Eu conto. Não sei se está escrito no meu rosto que sou louca por histórias, talvez esteja. E, como eu vivo repetindo, tenho o coração mole, escuto as aflições dos pobres de rua, mesmo quando finjo que não vejo. Ontem um carinha me abordou, perguntando um endereço de uma loja de roupas. Eu não sabia, e já ia continuando a andar quando a outra artista se aproximou. Uma mulher falante, de roupa de ginástica, toda decidida, parecendo tentar ajudar ao cara, ao mesmo tempo conversando comigo todo o tempo. Ele se fazia de ignorante, perdido na cidade grande, ingênuo. Ela era toda urbana, bem de vida, generosa e de boa educação. Resumindo o longo golpe, que só foi esboçado, mas não foi concretizado, o suposto comerciante queria ficar com o prêmio da Mega Sena que o tal caseiro de "políticos lá de Brasília", tinha recebido, no valor de mais de 4 milhões de reais. Ele queria me dar cem mil reais se eu o ajudasse, mas eu disse que não cobro por ajuda, mas que queria escrever a história dele… Aí eles perceberam que eu não estava acreditando, e ele disse que queria desistir de ir até a Caixa e que ia voltar para sua Teresópolis e buscar sua mãe, tão analfabeta quanto ele. A mulher tentou continuar comigo, e eu, muito educada, falei para ela que infelizmente não podia ficar e que tinha compromisso, percebendo que ela estava dando cobertura para que o homem sumisse de vista. Ela tinha carro, e ficaria mais fácil desaparecer. Esse golpe é velho, mas eles nunca chegaram a me propor nada (além de o homem querer me dar cem mil e querer beijar minhas mãos, imagine!) e eu vou ter que imaginar um pouco mais a história que vou contar, claro. Como não sou "con-artist" – é assim que chamam os golpistas em inglês, e com razão, pois são verdadeiros atores  – não imagino bem o objetivo deles. Me sequestrar? Me propor comprar o bilhete premiado pelo valor que eu tivesse no banco?  Descobrir meus dados para depois virem me assaltar? Depois escolho. Acho que, para fins de conto, dá mais caldo um sequestro, claro.  Mas depois isso me entristeceu demais! Pois o que eu gostaria mesmo é que a história fosse outra. Que alguém tivesse parado para ajudar uma pessoa que parecia necessitada e descobrisse que o outro era, na verdade, um afortunado. O que eu gostaria era de ter participado de um milagre de alegria, e não de mais uma dessas pequenas misérias humanas. 
Para terminar, revelo como descobri, logo de cara, que se tratava de um golpe: o uso dos clichês. Tudo o que o homem falava estava sobrecarregado de vícios de má-redação, mas não havia erros gramaticais. Um analfabeto que não errava o português mas que não sabia o nome de "táxi", falando nos "carrinhos amarelinhos que podem me levar de volta para minha mãezinha", e em guardar seu dinheiro "debaixo do colchão", e ser capaz de dizer 35 mil "reais", com plural corretíssimo e usando reais, ao invés de "conto" (ou mesmo contos, seria mais fácil de engolir), são pequenas incoerências que sinalizaram, para mim, que aquilo se tratava de um texto de um mau escritor. Nunca se deve explicitar muito as marcas, isso é dramaturgia exagerada de comédia, de caricatura. Para dramas realistas, aconselho menos exageros. Tentem assistir um pouco menos de Fallabela, pois ele pode ser bom, mas morreria de fome como golpista. Dou os conselhos, mas espero que os dois não estejam me lendo!

Tuesday, November 03, 2009

O fantasma do Chacrinha


Não sou grande fã de TV, e não assistia o Chacrinha. Só que fui ver o filme e me lembrei por que não via o programa: era cruel. Se hoje me emociono com aqueles aspirantes a cantores, imagine quando era pequenina, com o coração ainda mais mole do que é agora… 
O que me impressionou é que o Chacrinha tinha um bordão: o programa que acaba quando termina. E fico pensando na verdade que isso é. Ninguém parece ter melhorado de vida graças ao programa. Os desdentados continuam desdentados, os desafinados continuam desafinados, as chacretes viraram cozinheiras ou faxineiras já que perderam o rebolado. Os gagos continuam gagos. E os bobos estão cada vez mais bobos. O programa terminou e os participantes estão todos acabados. Triste isso.  
Para levantar o astral, uma foto (troféu abacaxi?) que tirei no lançamento do livro do Edney Silvestre.  Grande sucesso. Mil amigos, dois dedinhos de papo, depois a ansiedade de defender o projeto amanhã me atacou e tive de vir para casa. Melhor assim: vou aproveitar para ler o livro, cuja leitura do trecho feita pelo Tiago (Thiago?) Lacerda não assisti. Aproveitei para me despedir da Tatiana, que parte para a Fliporto e em seguida para o Porto, ou seria Lisboa? Ou para a Gafeira? Para algum lugar na Corte, como disse a Luciana. Bons ventos a levem e depois a tragam de volta, sã e salva.